Este espaço deveria ser usado com temas mais sérios e importantes para melhorar a vida das pessoas. Mas vou pedir licença a você, leitor que me dá o prazer de sua atenção, para trazer hoje, em vez do tão necessário pão, um pouco de circo, porque ninguém é de ferro.
Vou falar de futebol. Há muito tempo não tenho vontade de discutir futebol. Sou um saudosista dos tempos do futebol raiz, lá nos anos 70, quando cada time era uma espécie de seleção e possuía quatro ou cinco craques de primeira grandeza.
Hoje, temos uma grande indústria em que todos ganham fortunas, mas o espetáculo é de quinta categoria. O business do futebol enriquece empresários, jogadores, influencers, ex-mulheres de jogadores –não me cancelem– e ainda sustenta uma crônica esportiva que trata o futebol como uma grande roda que não pode parar de girar porque, se parar, milhares de jornalistas, radialistas, narradores, comentaristas etc. param também.
Nem vou falar aqui sobre as atuais patrocinadoras de nove entre dez clubes de futebol, as bets, casas de apostas suspeitíssimas. Não pretendo sair da editoria de esporte para a de polícia. Vamos deixar esses beós para uma outra ocasião.
Sou do tempo em que dirigente era amador e se orgulhava disso, de amar o seu clube, mesmo muitas vezes sendo incompetente e meio espertalhão. Os jogadores negociavam diretamente com os dirigentes e, se não eram milionários, conseguiam fazer o pé de meia caso tivessem juízo. Ouviam conselhos dos pais e de amigos de infância, não dos seus “staffs”.
Quando chegavam os campeonatos, davam a vida por um lugar no time. E depois davam a vida por um lugar na seleção brasileira. Galgar esses dois postos equivalia a se realizar na vida, não era preciso mais nada.
Estava tudo muito bem, o futebol brasileiro esnobado pelos grandes clubes do planeta, beliscando títulos de vez em quando, mas, o que era mais importante, satisfazendo o torcedor brasileiro, que enchia os estádios –não as atuais arenas– para aplaudir os seus ídolos.
Aí o futebol resolveu se globalizar de uma vez, incluindo o Brasil no grande cassino em que se transformou. Rapidamente, o futebol brasileiro foi perdendo seus melhores jogadores. Primeiro, foram os grandes craques, do tipo Zico, Falcão, Sócrates, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Roberto Carlos e por aí afora. Depois, começaram a ir os medianos. Em seguida, como não sobrou muita coisa aproveitável, começaram a formar craques ainda no ninho, quase meninos. E a tragédia estava consumada: o futebol brasileiro, que era classe A, virou um futebol classe C, às vezes D.
Como torcedor que adotou o Santos Futebol Clube em 1968, aos 10 anos de idade, segui a trajetória de grandes momentos do meu time: o milésimo gol de Pelé em 1969; a despedida do Rei em 1974; os felizes Meninos da Vila de 1978; o campeão paulista de 1984 com um grande time formado para tirar o Santos da fila naquele ano; o “Santástico” de 1995, com Giovanni e companhia; o milagre do time de 2002 com Robinho e Diego; mais um raio que atingiu a Vila Belmiro em 2010, com Neymar, Ganso e seus parças; depois Rodrygo, enfim, emoções inesquecíveis.
Aí caímos na mesmice, nas administrações desastrosas, no sumiço das grandes somas de dinheiro da venda de jogadores e nada mais foi o mesmo. O Santos tomou o rumo da insignificância, como a maioria das equipes brasileiras, com raras exceções, como Palmeiras, Flamengo e quase só.
Nos últimos dias, fui acordado da minha letargia em relação ao futebol brasileiro atual com a historinha de que o “menino Ney” morre de amores pelo Santos e abriria mão de uma fortuna para voltar ao “Peixe”. O que parecia historinha para boi dormir acabou evoluindo, até chegarmos a esta segunda-feira, 27 de janeiro, em que Neymar obteve a rescisão do seu contrato com os árabes e tinha chegada prevista ao Brasil na quarta-feira (29) para assinar um contrato “inicial” de seis meses com o clube.
Aí você, leitor que ainda está por aqui a esta altura do campeonato, vai me permitir dizer exatamente o que penso de tudo isto. Um cara que é santista há 57 anos não poderia se omitir nesta hora. Então veja aí as minhas previsões:
– Neymar Jr. é um ex-jogador de futebol. Vai fazer alguns bons jogos, alguns gols animadores, geniais até, e vai voltar aos poucos à sua carreira de ex-jogador.
– Neymar pai, que é um astuto negociador da joia que sua então esposa concebeu, vai usar Neymar Jr. como um boi de piranha, aquela espécie de isca para distrair os ingênuos, enquanto ele passa com sua boiada de parceiros internacionais que tomarão conta do clube brasileiro de maior história no futebol mundial, que irá se transformar na SAF do papai Neymar.
– Como Neymar é um ex-jogador, vai se lixar para o que dirão treinadores, preparadores físicos e dirigentes. Quem reclamar, papai vai mandar embora.
– Os colegas de time do “garoto” Neymar descobrirão rapidamente que serão meros coadjuvantes do filho do dono do time, que equivale no futebol de garotos de antigamente, ao menino que era o dono da bola e escolhia com quem iria jogar –ou não.
– Finalmente, quando a SAF estiver montada e sacramentada, o menino Ney poderá se aposentar, não só de fato, mas de direito. Vai ser dispensado pelo papai para continuar a curtir a vida adoidado.
– E se nesse processo ainda pintar uma convocação para a seleção brasileira, o Neyzinho vai se encontrar com quem? Exatamente com o Dorival Junior, que ele mandou para aquele lugar quando ainda usava fraldas em vez de calções. Ou seja, desmoralização total.
Antes que você diga que eu sou um torcedor fake do Santos, respondo que continuo santista, embora há muitos anos tenha me decidido a não gastar sequer 5 reais com qualquer coisa ligada a futebol e nem perder tempo vendo jogos inteiros, só os melhores –ou piores– momentos.
Confesso que ficaria muito feliz se essas minhas previsões sombrias e pessimistas fossem pouco a pouco sendo desmentidas pelos fatos. Mas não acredito nisso. Insisto: tudo isto é um plano para que o Santos Futebol Clube, aquele onde Pelé jogou e brilhou, passe para as mãos de gente que só ama o dinheiro e o poder.
Pobre futebol brasileiro. Pobre Santos.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 49 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 24 anos.