Foto / Vana Allas.

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Aqui em casa nós raramente comemos peixe, principalmente na Páscoa. Meu pai é formado em Teologia, somos cristãos, e acho que ele quis que nós valorizássemos a data com o seu real significado: a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, como Senhor e Salvador!

Mas eu gosto “pra” caramba de peixe”! E gosto muito de bacalhau! Fico meio danada da vida, todos os anos, ao sentir o cheiro de peixes que invadem os andares do prédio por conta dos vizinhos cozinhando, comendo e se fartando.

Essa inquietação foi quebrada quando levei um choque de realidade! Na tarde da última sexta-feira santa, fui fazer umas comprinhas que meu pai me pediu, no Villarreal Supermercados, na Vila Ema. Vi duas mulheres com criancinhas no colo, sentadas no chão e pedindo alguma coisa, desesperadamente.

Como sou daquelas que coloca o peso do mundo nas costas, ao ver aquelas famílias no chão, fiquei me achando uma pessoa pequena e anestesiada. Como eu poderia ficar com a cabeça no bacalhau, quando o mundo está cada vez mais triste?

Em seguida, fui procurar inspiração para este texto. Parei na chamada praça do Aquarius – praça Ulysses Guimarães. Eram umas 17h e o sol ainda iluminava as diversas famílias que se agrupavam, como bloquinhos, se protegendo de outros, por conta da pandemia.

Olhei para o céu, que estava lindo! E logo pousei o olhar nos edifícios altos, chiques e coladinhos que existem por lá. É um bairro que cresceu rapidamente, de forma vertical, nos anos 2000, segundo explica a prefeitura municipal. Eu me lembro disso porque moro nesta cidade desde a década de 80. De repente, o Jardim Aquarius, que era um bairro apagadinho cresceu muito, e para cima!

Bem, voltando ao meu olhar para os prédios de classe média e alta, meu pensamento também se voltou para o bendito bacalhau! Comecei a imaginar as famílias com aquelas mesas bem-feitas, e que tinham se fartado de peixes e bacalhau… E, logicamente, comecei a salivar.

Buscava a resignação, mas nem tanto… Para acabar com esta dúvida, resolvi fazer uma enquete na praça. Perguntei para 10 grupinhos: “Vocês comeram peixe e, principalmente, bacalhau, hoje?”. Imagine o resultado: de 10, apenas 2 grupos não comeram espécies marinhas naquela sexta-feira.

Me diverti durante os papos com os grupos… foram interessantes as histórias de cada família. Mas tais comentários incluíam o delicioso bacalhau; cada um com uma receita diferente!

Vi um restaurante na esquina da praça, aberto para entregas: o Pasq Cucina. Conversando com o cozinheiro, ele me disse que tinha realizado, no total, cerca de três entregas de um prato com salmão e nove porções de bolinho de bacalhau. Fiquei doida para comprar, mas era muito caro para o meu nível econômico atual.

Ele comentou que a procura diminuiu uns 50% em relação ao ano passado. E que baixou os preços para alcançar a classe média. Com esta declaração, caiu minha ficha, novamente. Vi que todo mundo está perdendo nesta pandemia. Pobres, médios e ricos.

O dia passou, hoje é domingo de Páscoa! Eu acordei grata por tudo o que tenho! Fiz minha oração matinal e desencanei de peixe. No fim da tarde de hoje, domingo, minha mãe me chama pra nós –eu, ela e meu pai– realizarmos a ceia do Senhor. A ceia é composta de suco de uva e pão sem fermento.

Eu, como diz a Bíblia, examinei meus pecados e pedi perdão por meu egoísmo frente a um mundo tão faminto! E me senti confortada entre os meus! Se Deus permitir, vamos comprar bacalhau quando estiver mais barato!

 

> Vana Allas é jornalista (MTb nº 26.615), licenciada em Letras (Língua Portuguesa) e pós-graduada em Filosofia da Comunicação. É autora do livro “Vale, Violões e Violas – Uma fotografia do Vale do Paraíba”. Mora na Vila Icaraí.