–– Ah, eu não tenho paciência…
Este é o comentário de pelo menos uns sete em cada dez brasileiros –avaliação empírica minha– quando você pergunta qual é o nível de interesse deles sobre a política e o governo do seu próprio país.
Dito isto, voltam para os seus afazeres. Homens, para o futebol; mulheres, para as novelas da televisão e, mais recentemente, para as séries intermináveis da Netflix. Se bem que essa divisão entre homens e mulheres nem é nítida, hoje está tudo junto e misturado.
Aí você vai dizer que política é coisa chata, não vale a pena discutir, eles fazem o que querem, a corrupção é muito grande etc. etc. E eu vou te responder que, quanto mais longe as pessoas estiverem da política, menos elas vão entender os problemas e soluções para o país. E mais elas vão ser enganadas.
Eu sou da época da disciplina de OSPB na escola. Era a sigla para Organização Social e Política Brasileira. Muita gente aprendeu coisas úteis para suas vidas com as aulas de OSPB. Está certo que vivíamos em um período de governos militares, com liberdades reduzidas. Mas aquela realidade era até um motivo a mais para se interessar por política, que era uma coisa meio proibida e misteriosa.
Hoje, temos liberdade total para pesquisar, debater, discutir, analisar, participar, mas parece que perdemos o interesse. Daí vermos absurdos como, por exemplo, gente que não acredita em pesquisa de opinião pública feita por institutos com estrutura profissional, que registram a metodologia das suas pesquisas e são totalmente transparentes. Mas, ao mesmo tempo, tem gente que acredita nessas bobagens que volta e meia estão nas redes sociais perguntando “em quem você vai votar para presidente?”.
Esse desinteresse pelo dia a dia do país me incomoda. Não consigo entender como as pessoas preferem manter distância de questões como o preço dos alimentos, como funcionam as vacinas, em que a Prefeitura gasta o dinheiro que arrecada, como cultivar temperinhos e legumes em casa ou no apartamento, como acionar um vereador ou deputado para reivindicar coisas importantes, como recorrer contra multas ou decisões injustas do governo, como denunciar empresas que violam os direitos do consumidor e tantas outras coisas que fazem parte das nossas vidas.
Ao mesmo tempo, não falta interesse para hábitos, hobbies e divertimentos que podem até ser agradáveis, podem nos distrair, mas são como os refrigerantes, você bebe e é como se não bebesse, não tem vitaminas, proteínas, gorduras, não tem nada. Depois que saem pela urina, é como se nunca tivessem existido. E pior: muita gente fica viciada neles.
Veja como é isso. Acho que você vai concordar comigo.
No futebol
Já tentou saber quantos programas existem na TV aberta e fechada, nas emissoras de rádio, nos sites da internet falando de esportes? Na verdade, falam de futebol e de vez em quando dão umas pinceladas em outras modalidades. Ouso dizer que são centenas.
Durante horas, jornalistas, radialistas, jogadores, ex-jogadores, ex-árbitros, empresários de jogadores, cartolas –como são conhecidos os dirigentes dos clubes– ficam discutindo cada lance, cada chute, cada buraco no gramado, cada real ou dólar dos milhões que os mais sortudos ganham. E você lá, com a bunda no sofá, cheio de interesse.
Tem torcedor que conhece mais a saúde do centroavante do seu time do que a dos seus filhos; tem profissional que sabe mais dos detalhes do contrato de um craque com o seu clube do que do seu próprio contrato de trabalho e dos seus direitos.
Vai dizer que eu exagero? Você sabe que não.
Nas novelas
Do mesmo modo, somos bombardeados todos os dias, em quase todos os horários, por histórias de centenas de “pessoas” que não farão nenhuma diferença nas nossas vidas. Nas novelas, sabemos traçar um perfil dos personagens, arriscamos opinar sobre como devem resolver seus problemas, rimos com eles, choramos com eles.
E nas nossas vidas, nas nossas casas, na nossa família? Sabemos menos sobre os nossos irmãos, primos, tios, avós –até sobre os nossos pais– do que sobre os nossos amigos de faz-de-conta.
Nos realities
Não queria apelar, mas não poderia deixar de incluir os reality shows neste mundo de ilusão em que as pessoas gostam de viver. São programas em que alguns desconhecidos fazem coisas para que a gente veja. Comem, bebem, dormem, nadam, dançam, cantam, fazem sexo, discutem, brigam, se apaixonam, tudo como se aquilo fosse a vida.
E milhões de pessoas parecem pensar que aquilo é mesmo a vida, esquecendo-se dos seus amigos, inimigos, parentes, vizinhos, gente que poderia fazer parte do maior reality vivido por ela: a sua própria vida.
Enfim, a vida real
Vamos fazer uma comparação? De um lado, nós e a nossa vida real; do outro, essas várias vidas que vamos encontrar no futebol, nas novelas e nos realities. Eu pergunto: quantos programas, notícias, jornais, revistas você costuma seguir para ter contato com o seu mundo real, aquele em que o calo aperta, em que o bolso geme, em que as dores e os prazeres são palpáveis ou sentidos?
Você é daquelas pessoas que não aguentam quinze minutos de um documentário ensinando a fazer coisas, de uma reportagem mostrando como algumas coisas funcionam, de um especialista explicando a você sobre a sua saúde, os seus hábitos, os seus relacionamentos?
Qual foi a última vez que você leu um livro? Sabia que o brasileiro lê, em média, 4,96 livros por ano, sendo que aproximadamente 2,4 livros são lidos apenas em parte e 2,5 são lidos por inteiro? E olhe que nessa conta entra a Bíblia, que é o livro mais lido.
Na hora de assinar um bom jornal ou revista na Internet –tipo Estadão, Folha de S. Paulo, O Globo, Veja, IstoÉ etc.– você acha caro pagar R$ 30 por mês para ter acesso a informações diárias do Brasil e do mundo? Mas acha um bom investimento assinar o BBB por dois anos ou o Campeonato Brasileiro inteirinho e suas 760 partidas?
Amigo, amiga, vou ficar por aqui. Não sei se estou malhando em ferro frio, mas não desisto desses assuntos. Não consigo entender o interesse das pessoas pela ficção de baixo nível enquanto o que importa mesmo é a vida de carne e osso, saber mais, evoluir, progredir, estar mais preparado para enfrentar as dificuldades e desafios.
Lembre-se: assim como a Coca-Cola dá a falsa impressão de que você se alimentou ou se refrescou, o excesso de futebol, novelas e realities dá a falsa impressão de que você está vivendo.
Espero que este alerta não sirva para a maioria dos que estão lendo este texto. E para quem vestiu a carapuça, convido a dar mais importância para a vida real. Seja o seu próprio craque, galã/estrela de novela ou destaque de reality. O mundo real precisa de você e você precisa dele.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.
> Texto modificado às 19h36 do dia 11/1/22 para revisão ortográfica e de estilo.