Ilustração / site Parque Vicentina Aranha/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Era um dia de sol e eu fazia a caminhada diária em São José dos Campos, uns anos atrás, em direção ao hoje Parque Vicentina Aranha. Andava através do Jardim Apolo, antes do fechamento do bairro, envolto em pensamentos negativos de problemas familiares. Da lembrança de certa má palavra escutada, já me punha a criar um enredo de conflito, imaginando respostas e réplicas malcriadas, uma sucedendo a outra, enfim, construindo fatos irreais e danosos ao subconsciente. Bem como ao meu esforço para alcançar a virtude cristã: uma oficina do Tinhoso.

Não é que, em certa rua do tranquilo bairro, me deparo com um sujeito com cara de esmoleiro, empurrando um carrinho de mão, fazendo às vezes de besta de carga? O coitado catava latas e vinha cantando, no entanto, num claro contraste com sua vida miserável e desamparada.  Foi quando um guarda do bairro, que andava em sentido contrário, lhe indagou em voz alta:

− Alegre, hein, Fulano?

Ao que o mendigo respondeu:

− É, Ciclano, não paga a pena carregar tristeza!

E continuou o seu caminho, cantarolando.

Aquilo, meu amigo, foi como um raio em cima de mim, que susto levei com a mensagem do esmoleiro −para mim! Foi quase uma epifania. Pois exatamente carregar tristeza era o que eu fazia, esquecido do malefício de fazê-lo, tudo se revelando.  De um minúsculo acontecimento familiar eu transformava tudo numa tragédia grega, ficava indignado na minha própria cabeça. Só faltava matar alguém, como o nosso Édipo Rei.

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Na verdade –há quem não acredite–, foi nada mais nada menos que um recado dos céus. Como são suaves e sutis as Suas manifestações, normalmente quando você menos espera, pelo meio mais insólito, seja pela boca de uma criança, seja na palavra de um favelado, num cartaz na rua. É a brisa inefável de que trata a Bíblia, que normalmente acontece para quem está em oração permanente, como Santa Teresa de Ávila.

No entanto, vejo que este é um dos resultados sadios das caminhadas em lugares aprazíveis e silenciosos, quando, em solidão reflexiva, aproveitamos para colocar os pensamentos em ordem, matutar, como diz o caipira, podendo mesmo ser a respeito do sentido da vida, se você tiver fôlego filosófico.

O atual Parque Vicentina Aranha, que eu frequento há muitos anos, desde que ainda pertencente à Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, foi comprado pela Municipalidade de São José na gestão do prefeito Eduardo Cury. Fui honrado na ocasião com a indicação, pelo Clube dos Joseenses e Amigos de São José dos Campos, a compor a apelidada pela imprensa de “Comissão dos Notáveis”.

Seu objetivo era sugerir o uso da área desativada, que foi o maior sanatório da cidade, na sua fase de Estância Sanitária, lugar de tratamento da tuberculose. Belo imóvel, cerca de três alqueires no meio da cidade, muito arborizado, pleno de construções, onde faleceu o santo local, o polonês salesiano e venerável Padre Rodolfo Komórek, cujos milagres se multiplicam.

O patrimônio já havia sido tombado e a comissão resolveu pelo uso cultural do bem, que segue hoje meramente como lugar de lazer, exercícios físicos, feirinhas artesanais, mas principalmente com uma programação de cultura, aguardando o restauro das construções.

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Pouco tempo depois, integrei −sob a liderança geral do jornalista e escritor Luiz Paulo Costa− a diretoria da AJFAC (Associação para o Fomento da Arte e da Cultura), naqueles primeiros momentos, que passou a gerir o Parque.

Fui ao Parque Vicentina Aranha hoje, depois de matutar sobre o assunto de anos atrás, não sei por que cargas d´água acabei me encaminhando para o chamado Memorial do Padre Rodolfo, nosso candidato a santo. É uma parte de um dos pavilhões, justamente onde faleceu o padre, de tuberculose. Está bem restaurado e organizado, com mural contando a cronologia de sua vida, fotos, cama e mesinha, bem como objetos pessoais: um relicário.

Encontrei alguns santinhos e −para quem acredita em coincidência– neles está escrita uma frase sempre repetida por Padre Rodolfo:

“Não acumule mágoas no seu coração.”

 

José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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