A frase é do ex-prefeito Eduardo Cury, que promete vir forte, junto com Emanuel Fernandes, rumo à eleição municipal de 2024, quando a ideia de passagem do bastão para novos nomes pode ser adiada na tentativa de barrar a reeleição do prefeito Anderson Farias
WAGNER MATHEUS*
Prefeito de São José dos Campos por dois mandatos (2005 a 2012), deputado federal também por dois mandatos (2015 a 2022), hoje suplente de deputado federal, tudo pelo PSDB, Eduardo Cury está empenhado em um projeto para retomar o discurso que levou o partido aos primeiros bons resultados eleitorais em São José dos Campos e culminou com a eleição de Emanuel Fernandes à Prefeitura em 1996.
Iniciada nos primeiros anos da década de 1990, a construção do grupo político liderado, entre outros, por Emanuel e Cury, foi responsável pelo poder político no município nos últimos 27 anos, com um intervalo de quatro anos (2013 a 2016) com o PT na Prefeitura. Agora, os dois estão liderando o movimento Política por Gente que Vale, uma espécie de grife com a qual pretendem espalhar “franquias” por toda a região.
No domingo (17) em que o partido realizou sua Convenção Municipal, mantendo o controle com o ex-secretário municipal José de Mello Correa na presidência da Comissão Executiva, Cury conversou com o SuperBairro e praticamente escancarou a disputa pelo poder que irá ocorrer em 2024, contra os ex-tucanos Felicio Ramuth e Anderson Farias, hoje vice-governador do estado e prefeito de São José, respectivamente.
A propósito, a ausência de Emanuel foi justificada por uma viagem marcada antes da definição da data da Convenção.
Cury reconheceu o racha existente no PSDB atual, já que o assessor especial da Prefeitura, Alexandre Blanco, tentou disputar a Convenção e teve sua chapa impugnada. Blanco defende o apoio do PSDB ao prefeito Anderson, também com os olhos voltados em 2024, possivelmente tentando evitar um embate entre PSD e PSDB.
Fala-se que, além de tentar barrar a reeleição de Anderson Farias, Cury vislumbra um partido forte em toda a região, que poderia levá-lo de volta à Câmara dos Deputados. Ele revelou que o objetivo é fazer do PSDB um partido liberal de direita, que é diferente do perfil social-democrata do seu nascimento, nas mãos de líderes como Mário Covas, Franco Montoro, José Serra e Fernando Henrique Cardoso, porque, na sua avaliação, esse espaço ideológico foi ocupado pelo PT ao longo do tempo.
Veja como foi a conversa com Eduardo Cury durante a Convenção do PSDB que sinalizou a disputa acirrada pelo poder que deverá ocorrer na eleição municipal do ano que vem.
“O Emanuel retornou, e eu, como estou como suplente [de deputado federal], estou com mais tempo agora para poder ajudar a difundirmos os bons valores da boa política.”
Qual é a sua avaliação da presença de filiados na Convenção?
Nós não éramos tantos nem na época em que tínhamos a Prefeitura e hoje somos menos ainda. Então o que se faz? Monta-se uma chapa com as pessoas que querem colaborar com esta nova fase, que é a da boa política. O Emanuel retornou, e eu, como estou como suplente [de deputado federal], estou com mais tempo agora para poder ajudar a difundirmos os bons valores da boa política. Essa boa política não tem nada a ver com o que está acontecendo no Brasil. Ela tem a ver com caráter, com a palavra, tem a ver com honrar aquilo que você fala para as pessoas na rua. É isso que nós estamos querendo incutir. Tem uma parte legal, um partido, nós estamos fazendo uma Convenção, surpreendentemente atingimos um quórum muito rápido, com mais de 50 por cento do necessário para o quórum.
A que o senhor atribui essa aceitação?
A gente percebe que as pessoas estão sedentas, mesmo pessoas que nem são do nosso partido. Muitas pessoas vieram aqui nos cumprimentar hoje. Elas estão sedentas daquela política mais olho no olho, aquela coisa mais sincera. É isso que eu e o Emanuel estamos tentando incutir. Estamos fazendo esse trabalho, inicialmente, nas cidades do Vale, o movimento chama-se Política por Gente que Vale. Fizemos o lançamento em São José dos Campos, vieram mais de 400 pessoas; fomos a Lorena, com 250 pessoas; depois, em uma noite de blecaute em Guaratinguetá, quando não tinha nem energia elétrica, tivemos 150 pessoas. Faremos o lançamento em Jacareí, em Cunha e assim por diante.
“A gente percebe muita gente bem-intencionada participando da política nos últimos anos e quebrando a cara. Ela vem participar da política, interage com gente de má-fé ou oportunista e desanima, quer ir embora para casa, acha que não tem saída.”
É uma espécie de grife que está sendo lançada?
Não é uma grife. Na verdade, nós queremos restabelecer alguns valores que não estão dentro de um só partido, podem estar em várias pessoas e em vários partidos. Não necessariamente a pessoa precisar estar no meu partido para fazer a boa política. Da mesma forma, tem pessoas em outros estados, que são do meu partido e eu não concordo com elas. Mas é necessário que no nosso meio, onde nós estamos, você pelo menos honre a sua palavra, seja ético, que seja leal. E a gente percebe que, na política, isso está um pouco perdido. Projetos pessoais estão ficando acima de projetos coletivos, a pessoa fala “eu quero ser” e não importa o que a sociedade está precisando. Logicamente que aqui, hoje, é a Convenção de um partido, o nosso partido, e o Emanuel quer esse retorno, está muito animado. E depois nós vamos fazer essas aulas com novas pessoas que queiram participar. Não é preciso que sejam necessariamente do nosso partido. [Precisamos de pessoas] que queiram participar, mas que não cometam os erros que vimos nos últimos anos. A gente percebe muita gente bem-intencionada participando da política nos últimos anos e quebrando a cara. Ela vem participar da política, interage com gente de má-fé ou oportunista e desanima, quer ir embora para casa, acha que não tem saída. Nós queremos mostrar o seguinte: se você estiver do lado de gente boa, vale a pena.
Isso deve ter um reflexo para 2024. O que o senhor já enxerga em São José como cenário? Vê o PSDB lançando um candidato?
Nós não pensamos nisso, em nenhuma das nossas reuniões tratamos disso. Nós achávamos que, antes disso, como a política está muito deteriorada, é preciso saber se existem pessoas que querem fazer a boa política. Porque se não existirem essas pessoas, eu e o Emanuel vamos desistir, vamos para casa cuidar das nossas vidas. Até porque nós temos família, isso é sacrificante para a família. Mas como a adesão foi muito grande, aqui, hoje, o número de pessoas foi uma surpresa, porque nós não estamos mais com o poder, não temos mais máquina para usar o poder da máquina. E nós nunca fizemos isso. Então, quem veio aqui hoje é porque tem uma boa memória da boa política, ou porque tem esperança de que a coisa possa melhorar. Para mim, é muito gratificante, por exemplo, ver aqui a família do Emanuel, ver a Lia [filha], que aos 15 anos de idade via os nossos debates políticos. A Lia falando de política hoje [na Convenção] deu um show, ela fala de política melhor que muita gente que teve oportunidade de ser candidato. Isso nos anima, porque o objetivo meu e do Emanuel é que um dia nós possamos passar o bastão e saber que a nossa cidade, nosso estado, nosso país estão nas mãos de boas pessoas.
O que o senhor diz sobre o grupo dentro do PSDB que não conseguiu ter a chapa aceita para participar da Convenção?
É um problema que nós temos. O grupo foi para o PSDB na Prefeitura e, naturalmente, há um constrangimento, nós temos pessoas lá que gostam de nós, então cria-se um constrangimento, não proposital, mas é natural…
Mas essa divisão existe claramente dentro do PSDB…
Não é do PSDB, na verdade é do outro partido com pessoas que ficaram aqui. Porque muitas pessoas que estão na Prefeitura não saíram do PSDB. Então, é natural que isso ocorra, mas à medida que as coisas vão andando eu acho que isso se dissipa. Porque nós não estamos pregando nada contra a Prefeitura, estamos pregando os bons valores.
Esse grupo é bem-vindo para continuar no partido?
Lógico que sim, muitos ligaram para nós. Mas não foi uma decisão deles, eles estão constrangidos. Foi uma decisão na época do [ex-prefeito] Felicio [Ramuth], que causou um constrangimento muito grande no grupo e deixou essas pessoas no meio do caminho. Nós temos que respeitá-las.
“Nós fomos atropelados por um caminhão [saída de Felicio e Anderson do partido], uma coisa feita de forma repentina que acabou prejudicando muita gente que tem outros ideais.”
Na época da saída de tucanos rumo ao PSD, especialmente o ex-prefeito Felicio, o senhor disse que se sentiu atropelado por um caminhão. Foi isso mesmo?
Nós fomos atropelados por um caminhão, uma coisa feita de forma repentina que acabou prejudicando muita gente que tem outros ideais. Nós respeitamos essas pessoas, são companheiros nossos, essas pessoas fazem um belo trabalho lá e nós respeitamos isso.
Essa questão de o PSDB estar em dois lados parece que está acontecendo em nível nacional também. O Orlando Morando [prefeito de São Bernardo do Campo] ainda parece estar em conflito com o partido por defender uma postura mais clara do PSDB na política brasileira. O que o senhor acha disso?
Ele apoiou o [João] Doria, e nós fomos contra o Doria. Então isso é resquício daquela época, ele entrou com a ação [para retirar o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite do comando do partido] quando estava com o Doria e a ação foi julgada agora. Realmente houve uma falha de entendimento do estatuto, houve o afastamento da Executiva, mas isso, na verdade, é a renovação. Ou seja, a velha política precisa sair do PSDB. Quem quer usar o dinheiro, a coação, o constrangimento para a política, tem que sair. E se a maioria do PSDB for assim como eles, quem sairão seremos nós. Mas não sair para projeto político pessoal, oportunista, sair para fazer a boa política. E não precisa de partido para fazer a boa política.
“Mas no meu entendimento o PSDB deve se posicionar como um partido mais à direita. E se ele não fizer isso nos próximos anos, quem sairá do PSDB sou eu.”
No seu entendimento, onde o PSDB deve se situar no espectro ideológico, mais à esquerda, mais à direita? A social-democracia deveria voltar?
Eu, assim como o Emanuel, acredito que a social-democracia foi capturada pelo PT, acho muito difícil [ela retornar ao partido]. Eu sou um liberal, mais à direita, e sinto que existe uma voz muito grande na sociedade por esse segmento. Eu e o Emanuel batalhamos há muitos anos, dentro do nosso grupo político, para que o PSDB vá nessa direção. E a prova de que nós estamos certos é que o PSDB mais à esquerda nunca teve sucesso, porque esse campo já é preenchido pelo PT. Tanto que vários do PSDB estão hoje lá no PT. Acho correto isso. Mas no meu entendimento o PSDB deve se posicionar como um partido mais à direita. E se ele não fizer isso nos próximos anos, quem sairá do PSDB sou eu.
Seria [o modelo do novo PSDB] a UDN modernizada?
Não, a UDN é muito antiga, falo em um partido liberal. A UDN era um partido mais conservador, eu estou falando em um partido moderno, um partido liberal mais à direita.
“O Emanuel está voltando animado, até falou que, se encherem muito a paciência dele, ele sai candidato a alguma coisa. […] Mas veja a gravidade do quadro político brasileiro, por que as pessoas falam em Cury e Emanuel de novo? Não era para falarem.”
Para concluir, essa ideia de “passar o bastão” pelo senhor e pelo Emanuel, não tendo sido passado ainda esse bastão, isso significa a possibilidade de os dois ainda disputarem eleições?
Eleição, com certeza, eu ainda quero disputar na minha vida. Gostaria de ser presidente da República [brinca], o problema é que eu não tenho voto para isso. Ou seja, a eleição que você vai disputar depende da oportunidade e da sociedade querer isso. O Emanuel está voltando animado, até falou que, se encherem muito a paciência dele, ele sai candidato a alguma coisa. Isso é que é importante. Mas veja a gravidade do quadro político brasileiro, por que as pessoas falam em Cury e Emanuel de novo? Não era para falarem. É porque houve um gap, pararam de se formar boas lideranças no Brasil. Se tivessem sido formadas boas lideranças, hoje eu estaria apoiando essas pessoas. Mas houve um gap e a esperteza está valendo muito, falta de palavra, projeto pessoal.
Vocês [Cury e Emanuel] estão retomando o discurso lá do início da década de 90?
Sim, mas isto não é para nós. Não é o meu projeto pessoal. É o que vocês querem, o que é melhor para a sociedade. Se o melhor para a sociedade for o Wagner [exemplificando com o entrevistador] candidato, eu e o Emanuel iremos para a rua para apoiar o Wagner candidato. É isso que nós sempre plantamos.
*Wagner Matheus é editor do portal SuperBairro.
*Texto atualizado às 22h20 do dia 26/9/23, e às 15h18 do dia 27/9/23, para revisão ortográfica e de estilo.