Ipê-amarelo em rua da Vila Ema. Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Setembro chegou, primavera à vista, e se você tem uma rede social é impossível que não tenha deslizado o dedo por dezenas de fotos de ipê-amarelo no seu feed. Caso não utilize as tais redes, melhor ainda, pode ter deslizado por aí nos tapetes de flores que essas árvores impressionantes tecem por toda a cidade.

O amarelo intenso cativa o olhar, mas o que muitos não sabem é que o ipê extrai toda essa beleza e exuberância do sofrimento e medo de morrer e não deixar descendentes, não ser eterno. É do estresse extremo que ele tira sua força de produção.

A falta de água após meses sem chuva, o frio e o ar seco, fazem com que a extraordinária árvore lance mão de suas reservas estratégicas. Após perder as folhas e virar um esqueleto esquálido na paisagem, só lhe resta um mergulho ao fundo da terra em busca da eternidade.

Já reparou que as raízes dos ipês não danificam as calçadas? Elas apontam para baixo, à procura da umidade do lençol freático. O que me faz pensar que essas flores que nos encantam são planejadas e sonhadas pelo ipê desde muito, muito cedo.

Preparar essa fantasia maravilhosa para o ipê deve ser igual se faz nas escolas de samba. Terminou um desfile, já começa a preparar o próximo. Mesmo que um incêndio dê fim ao barracão.

Pois é, o ipê-amarelo é páreo duro até para o fogo. Sua casca grossa e rugosa serve de armadura protetora para o calor das queimadas, muitas vezes criminosas, que assolam tantas regiões do país nos períodos secos. Não são poucos os relatos de ipês que em poucos dias florescem em meio às cinzas.

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A cena que nós podemos ver como verdadeira promessa e incentivo de recomeço para o ipê é como se fosse um longo último suspiro, cujo vento suave vai levar por aí as sementes aladas. Apesar disso, os ipês passam fácil dos 100 anos, caso nenhuma retroescavadeira dê cabo de sua vida para plantar um prédio ou um poste em seu lugar.

Tabebuia chrysotricha é o nome de batismo do ipê-amarelo da mata atlântica. Tabebuia ochracea é o ipê-amarelo do cerrado. Belezuras que trazem a resiliência impressa no DNA, qualidade que tem sido cobrada em larga escala de nós, pobres humanos, sem tanta sabedoria, paciência e coragem.

Quem nos dera “pensar” como o ipê-amarelo sempre. Preparar o terreno para nossos descendentes, deixar de lado o imediatismo e reservar água e vida para os dias mais difíceis.

Mas deixando de lado a filosofia de botequim, fato é que fotografar ipê está definitivamente na moda. É um espetáculo irresistível e, pode ser impressão minha, mas este ano creio ter visto mais fotos do que em anos passados. Será que nosso olhar pandêmico está mais atento às coisas belas? Tomara que sim!

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> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.