Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Acabou. Quem fez, fez. Quem não fez, esqueça, não pode mais fazer. Estou me referindo aos novos tempos na comunicação entre as pessoas, no uso da liberdade de expressão e na forma como nós cuidamos da vida dos outros.

A inspiração para esta crônica foram as declarações do ex-corredor de Fórmula 1 Nelson Piquet, bicampeão mundial, orgulho do esporte brazuca, que em uma entrevista antiga, agora recuperada, resolveu comentar a vida do supercampeão Lewis Hamilton.

Ao referir-se várias vezes ao inglês Hamilton como “neguinho”, Piquet queimou a largada e está sendo penalizado pela direção da prova: a opinião pública. O que é preciso deixar claro é que Piquet foi o Piquet de sempre, escrachado, boquirroto, piadista, mal-educado e até ignorante. Todo mundo –principalmente o nosso tricampeão Ayrton Senna– estava meio acostumado com o Piquet. Mas os tempos mudaram e no “novo normal” não vai haver lugar para gente como ele.

E não adianta argumentar que neguinho sempre foi uma forma de expressão quase comum no Brasil, como negão, crioulo, gorducho, balofo, dumbo, quatro olhos, bambi, “boneca”, viado, bicha, bichinha, traveco e outras dezenas de expressões que, usadas no dia a dia, eram toleradas antigamente e agora não são mais. Eram tratamentos usados até em programas de humor na tevê. Agora, simplesmente não pode mais.

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Não adiantou nada o Nelson Piquet dizer que não teve intenção de ofender o afrodescendente Hamilton. No novo normal, disse, está dito. E agora, além da tentativa de cancelamento do infrator, está surgindo também uma forma perigosa e dolorida de punição: os pedidos de indenizações milionárias feitos por entidades de defesa dos direitos humanos.

Na segunda-feira (11), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal aceitou uma ação civil pública contra Piquet por comentários racistas e homofóbicos contra Lewis Hamilton. A ação, ajuizada por quatro entidades –Educafro, Centro Santo Dias, Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas– pede indenização no valor de R$ 10 milhões ao ex-piloto. É mole?

Recentemente, um outro caso mostrou que também as empresas estão dispostas a pagar caro para não se envolverem em “sinucas de bico” desse tipo. Um advogado de empresa da área de tecnologia da informação, negro, foi tratado por um cliente, durante reunião online, mais ou menos nos seguintes termos: “Aí não, negão, aí você quer me f…”. O advogado não aceitou os termos e vai processar o sujeito. E a empresa empregadora do advogado negro lhe deu todo o apoio, abrindo mão de um contrato de cerca de R$ 1 milhão com o cliente mal-educado.

Vamos ficar por aqui com os exemplos, certo? Já deu para entender que certos termos não são mais aceitáveis ou desculpáveis nos dias de hoje. E não adianta dizer que sempre foi assim, ou que considera o “negão” como um irmão, ou que chamar de “bicha” é um tratamento engraçado, que todo mundo usa. Que fique claro: se todo mundo usa, tem que deixar de usar.

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Então, a nova regra é a seguinte: não pense, mas se pensar não fale; não ouça, mas se ouvir não repita; não olhe, mas se ver, feche os olhos. É uma reação radical? É, mas é o que temos para hoje. Todas essas formas de tratamento e julgamento de pessoas que não fazem parte da maioria “normal”, que antes eram toleradas, deixaram de ser.

Isso vale para todo mundo e em todos os setores. E já que estamos em ano eleitoral, é bom lembrar que vale até para a política. Por mais que você ache que o ex-presidente Lula tenha tido envolvimento com a corrupção nos governos petistas, não pode usar as suas redes sociais para dizer abertamente que o homem é ladrão. Da mesma forma, não pode tratar um presidente da República, no caso o atual, Jair Bolsonaro, como genocida. Você pode criticar à vontade a quem você quiser, mas pode ser chamado a provar tudo o que disser. Portanto, cuidado com os exageros.

Só para concluir. Tenho um livro aqui na minha Redação que estou pensando em queimar antes que algum visitante me pegue com a “prova do crime” e exija deste pobre futuro aposentado uma indenização milionária. Vai vendo: o título da obra é “O Melhor do Humor na Internet” e lá estão, em mais de 300 páginas, divididas por seções, piadas de gay, português, mulher, corno e tudo o mais que você possa imaginar. Ou seja, nos dias de hoje, o livro é mais “subversivo” que obra de Karl Marx no Brasil entre 1964 e 1985.

Fica combinado. Esqueça tudo o que era “normal” e que agora, no “novo normal”, pode dar cadeia, prejuízo no bolso e cancelamento nas redes sociais –as virtuais e as reais. E depois de ler este artigo, não diga mais que não sabia que não podia. Agora você já sabe.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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