Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Foi uns anos atrás, um enterro de um conhecido político de São José dos Campos, no Cemitério Central, da Rua Francisco Raphael.  O cidadão havia sido prefeito e deputado, muito popular.  E o conheci pessoalmente e a seus parentes, minha presença era irrecusável. Imaginei, desde a notícia, o cemitério lotado, gente tropeçando à beira do túmulo, a disputar uma brecha para lançar flor em homenagem ao defunto.

Qual o quê! Não foi difícil, nem estava cheio, como se supunha, considerando a grandeza política e a antiga popularidade do falecido. O cortejo rumo ao local do sepultamento ia ralo. Nenhum discurso, ninguém disputando vaga na beira da cova. Das duas, uma: ou o cidadão não era tão prestigiado como imaginei ou essa estima dos próximos desapareceu na mesma proporção em que o poder da pessoa declinou. Inclino-me à segunda hipótese.

Mas há algo mais que me faz refletir a respeito de tal condição humana, num outro aspecto interessante: será que realmente é tão trágica e fundamental a morte? Certo é que não poderia tratar disso aqui, na leveza de uma crônica, ainda que fôlego tivesse este escriba para tal. Porém, o faço como sei fazer, com uma pitada de gracejo. Nesse passo, estou com Sándor Ferenczi: o humor é uma forma lúdica de rezar.

Pois bem, não digo que não vejo importância na vida, pois ela é o bem material mais precioso do ser humano. De outro lado, é sabido que a primeira pulsão da pessoa, como de resto de todo ser vivo, é preservar sua vida, sempre e sempre, dispensando-a os desesperados, santos ou heróis. Contudo, não significa recear a sua perda a ponto de arrancar os cabelos.

PUBLICIDADE

Você, que já foi a inúmeros enterros e velórios, sabe perfeitamente que só uns poucos sentem mesmo a perda do defunto; pais, filhos, irmãos, cônjuges, amigos mais chegados. Às vezes muitos destes não estão nem aí. Um amigo meu certa feita me revelou, com total cinismo: − Em velório, faço o seguinte: chego uns vinte minutos antes de o caixão sair para o túmulo, dou uma presença e, enquanto todo mundo segue o cortejo fúnebre, viro para o outro lado e escapo. Pronto, cumpri a obrigação num instantinho.

Acha muito cinismo e insensibilidade? Reparou que no velório, enquanto alguns estão arrasados e verdadeiramente em sofrimento, chorando ali perto do caixão, outros batem papo e contam piadas? Conversam como se estivessem em qualquer encontro social. Isso quando não apontam algum defeito no defunto:

− Fulano era bom, né?  Grande perda! Mas vamos combinar, sabia ser chato, um purgante. Sabe que uma vez…  É… Antes ele do que eu!

A maciça maioria vai para casa após o funeral como se nada tivesse acontecido. Continua a trabalhar, a assistir televisão, fofocar a respeito do enterro, enfim, vida que segue. Pouco tempo depois ninguém se lembra muito do falecido.

Perguntaria o amigo: − Será que isso vai acontecer quando eu for desta para melhor?  Responderia: − Vai sim, meu caro. − Como pode? É tudo que nós temos de precioso! −você objetaria.

PUBLICIDADE

Na realidade, a conclusão a que chego nesta abusada filosofice é que a sua vida não é tão importante como imagina. Se fosse, o mundo pararia. As pessoas nada mais fariam, chorariam até o final dos tempos o seu passamento para o além, solidários com seu infausto destino.

Nada disso. Como todo mundo sabe, a vida continua para todos, morrer é apenas um detalhe, como diria aquele conhecido futebolista. Ou como a máxima aparentemente paradoxal que rola por aí: a morte faz parte da vida. Simples assim.

Um impertinente questionaria: − Ora, seu desalmado, não tem medo da morte? Diria que sim, mas não fico pensando nela. Nisso, estou com minha velha Tia Filoca, direta ao ponto:

− É você, Zezinho, quem decide quando vai acontecer a sua morte? Não? Você está vendo, então, que não é problema seu, não é verdade?  Assim, deixe de ser poltrão, siga na vida direitinho e deixe o problema com o Chefe! É problema dele!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

PUBLICIDADE