Monumento do Ipiranga, em São Paulo. Foto / Rovena Rosa/Agência Brasil

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Era 1972 e o Brasil estava comemorando o sesquicentenário –também conhecido como 150 anos– da Independência. Foi um festão, em pleno regime militar, com o general Emílio Garrastazu Médici na presidência. Nas ruas, clima de luta armada com extremistas de esquerda tentando derrubar o governo.

Voltando àqueles dias, eu estava no verdor dos 14 anos, cheio de energia misturada com ingenuidade. Na minha memória do sesquicentenário, ficou até hoje aquela figura esbelta, cabelos pretos encaracolados, bigode e costeletas, investindo impetuosa contra os portugueses. Dom Pedro I, o proclamador da nossa Independência? Nada disso.

Estou falando do Rivelino, que foi o maior destaque no torneio e na grande final da Taça Independência contra ninguém menos que a seleção de Portugal. Como uma autêntica metáfora das lutas pela Independência, o gol do título contra os portugas foi marcado aos 44 minutos do segundo tempo, por Jairzinho, em um Maracanã muito mais lotado que o riacho do Ipiranga em 1822 retratado no quadro de Pedro Américo.

Também conhecida como Minicopa, por ter reunido nada menos que 20 seleções de países da Europa, América do Sul, África e da Concacaf –esta última a confederação das Américas do Norte e Central e do Caribe–, a competição foi o evento mais popular das comemorações, pois atraiu os brasileiros na primeira disputa importante depois da conquista do tricampeonato mundial no México em 1970.

A comemoração oficial não parou aí. Quase simultânea à campanha que lançou o slogan “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”, a festa do sesquicentenário foi grandiosa. Além de um magnífico desfile militar, o governo organizou vários eventos, como exposições, shows de música, concursos de monografias, conferências, feiras e até lançou uma moeda comemorativa de 1 cruzeiro.

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Primeiro chega o corpo

Porém, a ação que mais repercutiu na época –e que até hoje rende histórias– foi a transferência dos restos mortais de Dom Pedro I para o Brasil. Após longas negociações, iniciadas em 1971, no ano seguinte o corpo do imperador deixou o túmulo da dinastia dos Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa, para ser depositado no Monumento da Independência, às margens do riacho do Ipiranga, na cidade de São Paulo. Antes, passou por todas as capitais do país.

Conta-se que o governo brasileiro já havia tentado trazer os restos mortais de Dom Pedro em duas ocasiões, em 1908 e em 1922 –quando foi comemorado o centenário da Independência–, porém não contou com a concordância dos portugueses. Em 1972, o acordo foi facilitado porque os dois países viviam sob regime militar.

Recentemente, o jornal “O Estado de S. Paulo” acrescentou uma historinha saborosa sobre o translado de 1972, revelando que um pequeno erro de cálculo impediu o depósito dos restos mortais na data programada porque o caixão vindo de Portugal era 8 centímetros maior que o sarcófago construído no Brasil. Ainda segundo o jornal, o sepultamento definitivo teria ocorrido apenas quatro anos depois.

Coração faz uma “visita”

Cinquenta anos depois, o coração do proclamador da nossa Independência chega para uma “visita” ao país como parte das comemorações oficiais do Governo Federal. A relíquia chegou em Brasília no dia 22 de agosto e será levada de volta a Portugal na próxima quinta-feira (8). O coração de Dom Pedro IV –como ele ficou conhecido em Portugal– voltará a ser guardado na cidade do Porto, conforme desejo do imperador expressado em testamento pouco antes de seu falecimento, em 1834, vítima de tuberculose.

O coração de D. Pedro é tratado com o máximo cuidado pelo governo português. Acompanhe a descrição do portal UOL:

“O órgão fica embebido em formol. Para preservar sua estrutura, de 10 em 10 anos é feita uma troca do líquido. São necessárias cinco chaves para abrir o recipiente que o guarda. A primeira é usada para retirar a placa de metal cravada na porta do monumento, a segunda e a terceira abrem a rede por trás da placa, a quarta abre uma urna e, a quinta, uma caixa de madeira onde há uma espécie de guarda-jóias de prata em que está o recipiente de vidro com o coração.“

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Política x imprensa

Apesar de o país viver hoje uma democracia plena, a chegada do coração de Dom Pedro I misturou-se ao clima de efervescência política marcado pelo velho embate esquerda x direita e pela campanha eleitoral para as eleições de outubro próximo. Parodiando um velho samba, o momento é mais ou menos o seguinte: “O coração é meu / ninguém tasca / eu vi primeiro!”, berram os bolsonaristas mais radicais. Alguns deles acham que qualquer visão crítica da Independência é um ataque direto ao seu ídolo Jair Messias Bolsonaro. Estão enganados.

O SuperBairro imita e adota a “trindade” cunhada pela “Folha de S.Paulo” para definir o jornalismo que pratica: crítico, pluralista e apartidário. Vai ser sempre assim, gostem ou não alguns seguidores. O bicentenário da Independência é um bom exemplo desse nosso compromisso com o leitor.

Na terça-feira (31 de agosto), a jornalista Maria D’Arc, colunista do portal, publicou texto dando uma leve desconstruída na imagem de Dom Pedro I e na versão oficial de fatos ligados à proclamação da Independência [Leia aqui].

Na sexta-feira (2), o jornalista Carlos José Bueno, também colunista, preferiu construir um perfil bastante abrangente do nosso primeiro imperador. [Leia aqui].

Hoje venho eu, que além de colunista sou editor do SuperBairro, procurando olhar as comemorações em torno do sesquicentenário e do bicentenário com outros olhos.

São três textos produzidos com liberdade e independência para levar até você, leitor(a), informação, interpretação, opinião, humor… Você lê e tira a sua própria conclusão, concordando ou discordando. E com o direito de comentar, desde que seja sem ofensas pessoais e com objetividade.

Isto é jornalismo, o resto é mimimi. E viva a Independência –do Brasil e da imprensa!

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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