Foto / Carlos José Bueno

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Antes do IPhone, porém bem depois da calça boca de sino. Nesse período, a política em Monteiro Lobato era quente. A cada pleito municipal a temperatura subia e a tampa do caldeirão voava, retorcida como pau de goiabeira.

Atualmente, a cidade incrustrada no sopé da serra tem cerca de 3.900 eleitores. Num universo assim, pequeno, é sempre provável se perder uma eleição por pouquíssimos votos. Não raro, um.

Por isso, na Pérola da Mantiqueira o voto é arduamente garimpado, e o candidato tem cristalino como água de bica o número um como limiar entre o sucesso e o fracasso nas urnas. Daí ser premente convencer o eleitor.

Mais do que hoje, antigamente o voto do lobatense era conquistado no gogó, na conversa de pé de ouvido, nas rodas de amigos, na visita domiciliar, nos comícios.

Quase em desuso nos grandes centros, nos pequenos –como é o caso– o comício ainda é ferramenta decisiva para o convencimento do eleitor, junto com sola de sapato.

PUBLICIDADE

Foi assim em Monteiro Lobato por longos anos entre dois grupos políticos bem definidos e de relações azedas. Pelo simples fato de que, olhando por sua fresta, cada um enxergava a possibilidade de conquistar o poder. E ia à luta com as suas estratégias.

Nesse cenário, certa vez o candidato de oposição ao prefeito João Bueno da Silva –que concorria à reeleição–, viu no número de desempregados do lugar a chance de amealhar votos para aprumar o passo rumo ao paço.

Em comício de fim de campanha, ele atribuiu ao chefe do Executivo culpa pela desocupação de parcela dos moradores. E de olho no voto dos sem carteira assinada, prometeu instalar uma fábrica na cidade, caso eleito.

Finda a falação, a turma do leva e traz foi dizer para o prefeito o que tinha ouvido na Praça de Baixo. E contaram-lhe como o seu oponente pretendia empregar a mão de obra ociosa da cidade.

Naquela noite, Bueno foi dormir confabulando com os botões o que dizer no seu derradeiro comício. Era sua chance de virar eventual voto conquistado pela retórica da fábrica.

PUBLICIDADE

No dia seguinte foi a vez de a comunidade se reunir na praça para emprestar ouvidos ao candidato da situação. Microfone em punho, ele discursou meia hora. Inflamado, pediu o voto e foi ao cerne da questão.

–– Fiquei sabendo que ontem, nesta praça, o meu concorrente prometeu instalar uma fábrica no município. Pois não caiam na lábia desse ladino! Vocês sabem que a vocação de nossa cidade é o turismo, e a única fábrica que ele conseguiria trazer para cá seria de pitos de barro –disse, para os aplausos do povaréu.

Naquele ano, entre o fim da campanha eleitoral e o dia da eleição, a notícia de que a fábrica não passava de um blefe para ludibriar os incautos alastrou-se como fogo morro acima. E virou burburinho nos botecos, na padaria do Tião e nas rodinhas dos fiéis pós-missa.

João Bueno venceu a eleição com folga e, no tempo em que administrou, empreendeu ações para colocar o trem de Monteiro Lobato nos trilhos do turismo, o que se consolidou aos poucos, com valiosa contribuição de governos sucedâneos.

Os mais antigos se lembram do episódio, hoje parte do folclore político da cidade.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

 

PUBLICIDADE