− Ei, professor! E o camisolão, hein?
Passando apressado, cumprimentei meu ex-aluno, com leve aceno. Situação que se repete sempre, ficaram meus alunos em direito de família impressionados com a figura do camisolão, artifício didático para chamar a atenção deles, despertá-los da sonolência de estar num curso noturno depois do trabalho.
Esse camisolão é o marido passivo, que concorda em tudo com a mulher mandona, verdadeiro trouxa, enquanto a cara-metade solta as frangas à vontade. Vaidosa e fútil, normalmente enfeita a cabeça do tonto com uns adereços que não são bem de Carnaval.
Na verdade, esse estereótipo do marido frouxo e impotente −um bundão, como dizem hoje− é evidente exagero, uma hipérbole, embora na vida real uns tantos desempenhem galhardamente esse papel. Os alunos se divertiam e eu ia passando a matéria, por vezes tediosa, a respeito de divórcio, separação e adultério.
Conquanto não seja a regra, ao longo da vida observei vários camisolões. O sujeito fraco, medroso demais, concordando em tudo e com todos, por amor de seu próprio sossego, incapaz de reagir minimamente às agressões e pressões comuns a qualquer um. Um infeliz, que se acomodou e recebe a desagradável alcunha pelas costas.
O tipo foi bem explorado nos programas humorísticos da televisão, como o inesquecível Santelmo do Chico Anísio, a chupar pirulito e a dizer: − Eu sou é durão! Ou Cândido Manso, sempre traído pela mulher, a Dadivosa. Nestes casos, ao camisolão se junta o papel de corno manso, do marido traído que, ou não tem noção da verdade, ou é tão bobo que não percebe a traição.
Mas o camisolão não é necessariamente cornudo, nem o corno é sempre um camisolão.
Estava eu, outro dia, andando pela rua, a relembrar do tal camisolão, diante daquele cumprimento do ex-aluno, quando acabei por me deparar com outro aluno, a quem não via desde a época da Faculdade de Direito.
Vinha ele de cabeça baixa e fui eu que chamei sua atenção. Ele me cumprimentou tristonho. Perguntei-lhe como andava a vida, ele mais velho, já com uns cabelinhos brancos ao lado da cabeça, um pouco mais gordinho, já não tinha o viço de antes. Recordei-me que era um pouco mais falante, com alguns amigos, aluno médio. Agora não parecia mais o mesmo. Respondeu-me o rapaz, cujo nome não posso revelar, agora advogado militante:
− Pois é, professor, minha vida anda assim, assim. Eu estou advogando, indo aos trancos. Não sei se o senhor ficou sabendo, eu me casei com a Fulana, lembra-se dela? Aquela bonitinha da Fulana, todos queriam namorar. Para encurtar, depois de casado e passado pouco tempo, minha vida não ficou nada boa. Tivemos uma filha, mas a Fulana é um pouquinho geniosa, quer mandar em tudo, não pode isto, não pode aquilo. Vive me pressionando: você ganha pouco, se mexa, procure um emprego melhor. A bendita, a quem eu sempre tratei bem, acaba me desprezando na frente dos outros, me chamando de banana.
Tentei solucionar, dizendo que poderia se divorciar. Ele refutou prontamente:
− Não, mestre, eu adoro a Fulana, não fico sem ela. Faço todos os seus gostos, deixo até ela viajar com as amigas. Durante a semana ela ou vai às lojas e gasta à vontade no cartão de crédito ou sai com amigas para intermináveis cafés. Eu não vou porque não gosto.
Gente, nesse momento apareceu diante de mim a figura daquele camisolão das minhas aulas. Situação trágica e cômica ao mesmo tempo, mal segurei o riso, mas apiedado do infeliz. Quando contei esse encontro com a tia Filoca, ela já saiu com sua habitual pérola:
− Esse aí, Zezinho, é o camisolão perfeito, a mulher manda nele e sabe lá se também não lhe prega um par de galhadas.
Menos, tia, fico apenas com o camisolão puro, torcendo para ele se livrar disso.
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.