Num texto que recomendo [veja aqui], na semana passada meu editor perguntou aqui o que falta na minha (e na sua) festa junina. E dei esse mergulho no passado.
Naquele dia enfiou-se o matuto entre a multidão no pátio de terra batida. Carregava nos ombros uma pesada abóbora, que depositou com espalhafato sobre a pequena mesa no centro do palco.
–– Ô Zeeefa!!
–– O que é Tonico?
–– Ponha essa abóbora pra cozinhar porque vamos ter visita pro almoço.
–– É alguém especial Tonico?
–– Seu futuro genro! Ele vem pedir a mão da nossa filha em casamento. Dessa vez a Ritinha desencalha. Ponha também na panela aquele galo velho que não presta mais nem pra cantar. E vai se lavar pra tirar essa catinga do sovaco.
–– Vá berda merda Tonico!
Nos idos 1970, mais ou menos assim, mas num caipirês bem marcante, principiou a encenação do casamento caipira do qual participei, como pai do noivo, na festa junina da Vila Vicentina do Jardim Paulista, até hoje uma das mais tradicionais da cidade.
E quem disse que dona Josefa conseguia remover a abóbora da mesa? Foi preciso o Tonico ajudar, o que ele fez resmungando.
Nos poucos ensaios e no script a abóbora era pequena. Mas, no dia da apresentação, esqueceram de providenciar a dita cuja, e o remédio foi emprestar uma que estava na cozinha para virar doce. O improviso rendeu boas risadas do respeitável público, que ansiava pela atração. O diálogo terminou assim:
–– Cozinho a abóbora inteira Tonico?
–– Só um tanto, mulher. O outro tanto a gente dá pra porcada.
Emprestado pela prefeitura, o palco era acanhado. Um tablado coberto, até hoje usado nos eventos oficiais do município. O cenário era fixo. Naquele dia, de um lado do palco foi colocado um jacá, do outro, um pilão. Na parede, ao fundo, um lampião, um oratório, um papagaio e uma espingarda enferrujada de cano torto. Sobre a mesa, um vaso com flores coloridas.
Do caipirês acentuado ao figurino debochado, tudo era despropositado, de modo a chamar atenção do espectador. O noivo, por exemplo, casou-se vestindo uma calça que, por ser maior que ele, tinha dobras nas barras e um amarrio de embira na cintura. A camisa era xadrez e, o paletó, preto e minúsculo.
Na mesma mesa coberta por uma toalha de chita colorida, onde pouco antes o visitante comeu o galo com arroz, feijão, angu e quibebe, quentinhos, o pai da noiva exibiu o pé com a meia furada no calcanhar. Detalhe que um certeiro foco de luz não deixou passar despercebido do público.
Está achando que o pretendente à mão de Ritinha teve vida fácil? Nada. Diante de um homem rude, para ter o consentimento foi preciso provar ser sacudido no cabo da enxada. Também teve que pitar um fumo forte e tomar um esquenta peito sem fazer cara feia, o que naquele dia deu errado, pois, o que era para ser água da bica virou água que passarinho não bebe sem que ninguém, depois, assumisse o desatino.
No dia do casamento, diante do padre, dos convidados e da noiva assanhada, o noivo deu de gaguejar no momento do “sim”. Foi quando a espingarda ganhou relevância.
A exibição da inofensiva arma e as ameaças do pai, ali receoso de ver a filha abandonada no altar, foram motes para o riso da gentarada espremida.
Depois do bafafá o casamento aconteceu sem delongas. Após a bênção do padre, o noivo convidou os presentes para a festa, que varou a noite com danças e comilanças, e os noivos viveram felizes para sempre.
Para promover a festa e convidar o público para o casório, dias antes os noivos desfilaram em carro de boi pelas principais ruas do bairro. Atrás seguia a caipirada dançando ao som de um fole estridente.
O casamento caipira, sátira da cerimônia tradicional atrelada às tradições juninas, está cada vez mais relegado ao esquecimento pelas entidades promotoras das festas alusivas, que preferem os atrativos e modernos shows.
Sou do tempo antigo. Por isso, na minha festa junina não pode faltar o bom, velho e divertido casamento caipira, sucesso que, de tão certo, a gente pode dizer em caipirês arcaico que é “macuco no emborná”.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.