Foto / Maria D'Arc Hoyer

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Áreas de terra escurecidas pela devastação do fogo, árvores retorcidas como esqueletos sombrios, zumbis insepultos que resistem de pé à espera da primavera que, eventualmente, chegará. Essa é a paisagem em alguns trechos das estradas vicinais em torno do DCTA e ao longo da via Cambuí, que liga as regiões leste e sudeste de São José dos Campos.

Caminhando ou pedalando às margens desse cenário de terror, seres humanos respiram fundo o ar poluído enquanto se dedicam aos exercícios físicos vespertinos com o objetivo de preservar a saúde e prolongar a vida.

Esse é um caminho que eu percorro com alguma frequência e, hipocritamente, comemoro a bela obra de engenharia que, embora tenha removido colinas, nascentes e vegetação, encurta distância e amplia a possibilidade de expansão urbana, como provam as placas anunciando loteamentos ao longo da estrada.

Há pouco tempo, vendo as labaredas frenéticas iluminando a noite, tão perto do asfalto, reduzi a velocidade do carro e abaixei o vidro para ouvir o crepitar das chamas nesse espetáculo que encanta a Humanidade desde que o Homo erectus, milhares de anos atrás, friccionou duas pedras e criou a ilusão de que poderíamos dominar o fogo.

Contidas em pequenas fornalhas, as chamas cozinham alimentos, aquecem os ambientes e, lá na idade da pedra lascada, serviam também para espantar predadores.

O progresso seguiu junto com devastações naturais sem controle e, hoje, lascados estamos nós, no mundo todo, no momento em que o fogo desiste de fingir submeter-se ao controle e retoma o protagonismo testando seu poder amplamente.

Aprovando a analogia de que o inferno é um lugar muito quente, o fogo se levanta e nos informa que o inferno é aqui mesmo, na Terra. Califórnia, Grécia, Pantanal são exemplos de cidades inteiras, vilas e biomas consumidos pelas chamas em escala nunca vista desde que os homens desenvolveram técnicas para medir clima, temperatura e contar queimadas; aquelas que eles pensavam poder controlar.

“Apocalíptica” tem sido palavra corrente para descrever a destruição provocada pelo fogo alimentado por ventos imprevisíveis e calor acima dos 40 graus, principalmente nos países do sul da Europa.

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Por enquanto, no Brasil ainda não perdemos vidas humanas e patrimônios em larga escala como tem ocorrido em outros países. Claro, se não considerarmos o riquíssimo patrimônio natural perdido no Pantanal e Amazônia.

Me lembro que, por volta dos anos 80, era comum desprestigiar as pessoas preocupadas com a preservação da natureza, tachando-as de ecochatas.

Continuamos crescendo, nos multiplicando, consumindo, sem pensar na capacidade de regeneração da Terra; e hoje estamos diante de um “código vermelho para a humanidade”, como definiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, diante dos resultados apresentados no calhamaço de 3,5 mil páginas do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, das Nações Unidas.

O diagnóstico revela que contribuímos, sim, de forma decisiva para a crise climática que afeta todas as regiões do planeta e que as mudanças estão se tornando irreversíveis. O documento reúne mais de 14 mil trabalhos individuais de mais de 200 cientistas em mais de 60 países.

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Mesmo que a gente começasse hoje a mudar nossos hábitos, que governantes e a indústria abrissem os olhos para salvar o futuro, não evitaríamos os furacões, secas inclementes, inundações e o aumento do nível do mar que vêm por aí. Não tem muito para onde fugir.

Mas nos dirigimos para o abismo alegremente, a bordo de confortáveis veículos com ar-condicionado, movidos a combustíveis fósseis, que estão no alto do pódio das causas do aquecimento global.

Os ecochatos deveriam ter sido ouvidos com mais atenção.

 

> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.