Áreas de terra escurecidas pela devastação do fogo, árvores retorcidas como esqueletos sombrios, zumbis insepultos que resistem de pé à espera da primavera que, eventualmente, chegará. Essa é a paisagem em alguns trechos das estradas vicinais em torno do DCTA e ao longo da via Cambuí, que liga as regiões leste e sudeste de São José dos Campos.
Caminhando ou pedalando às margens desse cenário de terror, seres humanos respiram fundo o ar poluído enquanto se dedicam aos exercícios físicos vespertinos com o objetivo de preservar a saúde e prolongar a vida.
Esse é um caminho que eu percorro com alguma frequência e, hipocritamente, comemoro a bela obra de engenharia que, embora tenha removido colinas, nascentes e vegetação, encurta distância e amplia a possibilidade de expansão urbana, como provam as placas anunciando loteamentos ao longo da estrada.
Há pouco tempo, vendo as labaredas frenéticas iluminando a noite, tão perto do asfalto, reduzi a velocidade do carro e abaixei o vidro para ouvir o crepitar das chamas nesse espetáculo que encanta a Humanidade desde que o Homo erectus, milhares de anos atrás, friccionou duas pedras e criou a ilusão de que poderíamos dominar o fogo.
Contidas em pequenas fornalhas, as chamas cozinham alimentos, aquecem os ambientes e, lá na idade da pedra lascada, serviam também para espantar predadores.
O progresso seguiu junto com devastações naturais sem controle e, hoje, lascados estamos nós, no mundo todo, no momento em que o fogo desiste de fingir submeter-se ao controle e retoma o protagonismo testando seu poder amplamente.
Aprovando a analogia de que o inferno é um lugar muito quente, o fogo se levanta e nos informa que o inferno é aqui mesmo, na Terra. Califórnia, Grécia, Pantanal são exemplos de cidades inteiras, vilas e biomas consumidos pelas chamas em escala nunca vista desde que os homens desenvolveram técnicas para medir clima, temperatura e contar queimadas; aquelas que eles pensavam poder controlar.
“Apocalíptica” tem sido palavra corrente para descrever a destruição provocada pelo fogo alimentado por ventos imprevisíveis e calor acima dos 40 graus, principalmente nos países do sul da Europa.
Por enquanto, no Brasil ainda não perdemos vidas humanas e patrimônios em larga escala como tem ocorrido em outros países. Claro, se não considerarmos o riquíssimo patrimônio natural perdido no Pantanal e Amazônia.
Me lembro que, por volta dos anos 80, era comum desprestigiar as pessoas preocupadas com a preservação da natureza, tachando-as de ecochatas.
Continuamos crescendo, nos multiplicando, consumindo, sem pensar na capacidade de regeneração da Terra; e hoje estamos diante de um “código vermelho para a humanidade”, como definiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, diante dos resultados apresentados no calhamaço de 3,5 mil páginas do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC, das Nações Unidas.
O diagnóstico revela que contribuímos, sim, de forma decisiva para a crise climática que afeta todas as regiões do planeta e que as mudanças estão se tornando irreversíveis. O documento reúne mais de 14 mil trabalhos individuais de mais de 200 cientistas em mais de 60 países.
Mesmo que a gente começasse hoje a mudar nossos hábitos, que governantes e a indústria abrissem os olhos para salvar o futuro, não evitaríamos os furacões, secas inclementes, inundações e o aumento do nível do mar que vêm por aí. Não tem muito para onde fugir.
Mas nos dirigimos para o abismo alegremente, a bordo de confortáveis veículos com ar-condicionado, movidos a combustíveis fósseis, que estão no alto do pódio das causas do aquecimento global.
Os ecochatos deveriam ter sido ouvidos com mais atenção.
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.