Cidade de Manaus encoberta por fumaça: "pulmão do mundo" sofre falta de ar. Foto / João Viana / Prefeitura de Manaus/Semcom

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Leio os jornais e vejo, além da tragédia interminável envolvendo israelenses e palestinos, uma outra tragédia, esta mais próxima de nós brasileiros: a bomba relógio do clima. Tudo bem que as alterações climáticas também são planetárias, mas aposto que você nunca pensou que elas poderiam afetar o Brasil de forma tão aguda.

Veja só em que buraco nós fomos nos meter. Nos últimos dias, o que era totalmente improvável, aconteceu. A Amazônia, uma das regiões mais abundantemente irrigadas por alguns dos maiores rios do planeta, sofre uma seca absurda, a ponto de o rio Negro viver sua maior seca em 121 anos de medições.

A capital do Amazonas, Manaus, localizada no coração do chamado “pulmão do mundo”, quem diria, tem estado sufocada por uma combinação de calor intenso, seca e queimadas, a maioria delas criminosas. Imagens da cidade mostram um cenário cinzento que parece uma mistura do fog londrino com as cidades superpoluídas da China.

Aí nós saímos da Amazônia e vamos até o sul do país, principalmente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Ali, onde não há rios tão caudalosos, onde o clima deveria ser mais temperado, parece que um rio Amazonas inteiro foi despejado sobre a região, com inundações absurdas, vendavais medonhos e prejuízos irrecuperáveis.

Fala sério, não parece que o mapa do Brasil foi virado de cabeça para baixo? Ou melhor, não parece que o mundo está de cabeça para baixo?

Toda pessoa minimamente informada já sabe, decor e salteado, quem são os vilões das mudanças climáticas que estamos enfrentando. São as emissões de gases de efeito estufa, as queimadas indiscriminadas, o desmatamento contínuo, entre outras agressões cometidas incessantemente.

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Diante de comprovações diárias dos efeitos perversos dessas agressões sobre o clima global, o que os governos –todos eles, de norte a sul, de leste a oeste– deveriam fazer? Seguir a cartilha da melhor ciência e eliminar as causas que contribuem para o desastre que estamos vivendo para, pouco a pouco, serem eliminados os efeitos e o planeta voltar a ser viável. Se é que isto ainda é possível.

É o mesmo que uma família lá de Santa Catarina ter a casa inundada, móveis perdidos, eletrodomésticos pifados, teto destelhado… O que essa família faz, assim que termina o castigo da chuva? Arregaça as mangas para fazer a água escoar, lavar o piso e as paredes, separar os móveis salvos daqueles que foram condenados, enfim, toma as devidas providências.

Não deveríamos esperar o mesmo dos governos? Não deveriam arregaçar as mangas e começar a fazer a coisa certa imediatamente após uma tragédia climática? Deveriam, mas não é o que fazem. Preferem marcar reuniões, congressos, conferências, meses depois, anos depois, para vomitar teorias sobre o que deveria ser feito. E aí, entre jantares, almoços, happy hours, uísques e vinhos, não chegam a conclusão nenhuma e empurram as providências com a barriga. Até que venham novas tragédias e, com elas, mais conferências e mais uísques.

É triste a gente concluir que o planeta Terra caminha para a exaustão das características que o tornaram uma espécie de paraíso para a vida humana. É triste constatar que a Amazônia, o “pulmão do mundo”, sofre de falta de ar –e de água.

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A ONU, sempre ela

Essa incapacidade de as nações, seus dirigentes e seus habitantes se entenderem sobre uma questão literalmente vital para a vida na Terra, me faz voltar os olhos para a instituição que deveria ter força para resolver este e outros problemas globais, mas tem se mostrado a cada dia mais raquítica e desmoralizada: a ONU.

Isto mesmo, a Organização das Nações Unidas, criada a partir da nova ordem surgida com a Segunda Guerra Mundial para ser uma espécie de mesa de acordos e consensos sobre as melhores decisões para o bem da Humanidade. Até que nos primeiros anos ela deu a impressão de que isto seria possível. Mas o desgaste do tempo foi cruel com a ONU.

A verdade é que ninguém mais liga para o que diz e decide a ONU. Em vez de ser encarada como uma instituição a ser obedecida, transformou-se em um grande fórum de estudos, previsões e alertas sobre problemas mundiais. E por que a ONU se desmoralizou tanto ao longo dos anos? Com certeza, os maiores culpados são os países ricos, as chamadas potências mundiais. Essas nações são muito eficientes para mandar o restante do mundo seguir suas decisões, mas na hora de elas mesmas as seguirem, sempre existe uma “mas”, um “porém”, um “contudo”, um “todavia”.

É o que acontece com os acordos sobre o clima global. Só um exemplo: enquanto os combustíveis fósseis são apontados como vilões pela quase totalidade dos cientistas, os governos pisam no acelerador e produzem petróleo como se não houvesse amanhã. E geram mais poluição, mais efeitos climáticos, mais mortes, mais destruição.

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Deixando um pouco a questão do clima no planeta –já disse tudo o que queria dizer sobre isso–, vou dar o golpe de misericórdia nesta ONU, que já morreu e se esqueceu de deitar. Veja só o que está acontecendo no Oriente Médio nestes dias: mais uma etapa do interminável conflito entre árabes e israelenses em torno do direito ao território.

Esse problema deveria ser resolvido da mesma forma que a família citada neste texto recupera sua casa inundada: uma limpeza geral, os consertos necessários e vida que segue. Porém, a “casa” de israelenses e palestinos nunca foi consertada, o que sempre se fez foi varrer o entulho para debaixo do tapete e tentar ignorar que o problema não está resolvido.

Aquela região sofre até hoje os efeitos de um dos primeiros grandes equívocos cometidos pela ONU, pouco tempo depois de ter sido criada: dar para Israel uma terra que já tinha dono e não garantir ao dono anterior, os palestinos, uma terra para chamar de sua.

Não seria tão simples definir um território para o Estado de Israel e um território para o Estado da Palestina? Territórios contínuos, evidentemente. Pois a ONU não conseguiu nada disso, não conseguiu nem mesmo garantir à Palestina o reconhecimento como Estado nacional. Tudo agravado pelo execrável poder de veto que pode ser exercido pelas grandes potências, o que é uma garantia de que nada será resolvido.

Como você está percebendo –ou já percebeu faz tempo–, seja na questão climática, seja no conflito do Oriente Médio, a moribunda ONU não consegue fazer absolutamente nada de positivo. Afinal, como diz o ditado, de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.