Foto / Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Wislawa Szymborska

 

Vejam como ainda é eficiente,

como se mantém em forma

o ódio no nosso século.

Com que leveza transpõe altos obstáculos.

Como lhe é fácil – saltar, ultrapassar.

 

Não é como os outros sentimentos

a um tempo mais velhos e mais novos que ele.

Ele próprio gera as causas

que lhe dão vida.

Se adormece, nunca é um sono eterno.

A insônia não lhe tira as forças; aumenta.

 

Religião, não religião –

contanto que se ajoelhe para a largada

Pátria, não pátria –

contanto que se ponha a correr.

A Justiça também não se sai mal no começo.

Depois ele já corre sozinho.

O ódio. O ódio.

Seu rosto num esgar

de êxtase amoroso.

 

Ah, estes outros sentimentos –

fracotes e molengas.

Desde quando a fraternidade pode contar com a multidão?

Alguma vez a compaixão

chegou primeiro à meta?

Quantos a dúvida arrasta consigo?

Só ele, que sabe o que faz, arrasta.

 

Capaz, esperto, muito trabalhador.

Será preciso dizer quantas canções compôs?

Quantas páginas da história numerou?

Quantos tapetes humanos estendeu

em quantas praças, estádios?

 

Não nos enganemos:

ele sabe criar a beleza.

São esplêndidos seus clarões na noite escura.

Fantásticos os novelos das explosões na aurora rosada.

Difícil negar o páthos das ruínas

e o humor tosco

da coluna que sobressai vigorosamente sobre elas.

 

É um mestre do contraste

entre o estrondo e o silêncio,

entre o sangue vermelho e a neve branca.

E acima de tudo nunca o enfada

o tema do torturador impecável

sobre a vítima conspurcada.

 

Pronto para novas tarefas a cada instante.

Se tem que esperar, espera.

Dizem que é cego. Cego?

Tem a vista aguda de um atirador

e afoito olha o futuro

– só ele.

 

Maria Wisława Anna Szymborska, escritora polonesa nascida em Kórnik no dia 2 de julho de 1923 e falecida em Cracóvia no dia 1º de fevereiro de 2012, foi ganhadora do Prêmio Nobel de literatura. Poetisa, crítica literária e tradutora, viveu em Cracóvia, onde se formou em filologia polaca e sociologia pela Universidade Jaguellonica. Fonte: Wikipédia

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> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.

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