Um amigo lembrou-me dias atrás uma estória que eu lhe havia contado e ficou marcada para ele. Eu narrei como fui assistir, no ano de 1973, a uma partida de futebol entre o meu Corinthians e o Santos, no Estádio do Morumbi. O objetivo principal, a essa altura, era ver o Pelé mais uma vez, ao vivo, pois ele estava prestes a encerrar sua carreira.
Se me decepcionei com o meu time, derrotado por três a zero, embora jogando o tempo todo no campo do Santos, por outro lado me encantei com o imutável e maravilhoso futebol do Rei. Num estádio lotado só de corintianos, depois do terceiro e magistral gol do Pelé, todos, absolutamente todos se levantaram e ficaram mais de cinco minutos aplaudindo o maior jogador de futebol da história. Foi emocionante e dá a medida da profunda admiração que eu tinha e tenho pelo nosso Pelé, nada diferente de todas as torcidas adversárias do Santos em relação ao Rei, em sua ampla maioria.
Na verdade, já havia visto o Pelé jogando em 1963, precisamente em agosto daquele ano, numa partida entre São Paulo e Santos, no lotado Estádio do Pacaembu, que acabou em 4 a 1 para o tricolor paulistano. Hoje ela é conhecida como o Jogo dos 53 Minutos, pois aos nove minutos do segundo tempo se encerrou. Eu e meu mano são-paulino ficamos de pé assistindo ao jogo, perto da então concha acústica. O Pelé e o Coutinho, reclamões exaltados, foram expulsos na primeira etapa, ao ensejo do terceiro gol, por um bendito árbitro iniciante e também querendo aparecer: Armando Marques. Depois, jogadores foram caindo em campo até não haver número mínimo para continuar uma partida.
O meu primeiro conhecimento de Pelé −como o da grande maioria da população viva na época− foi na Copa do Mundo de Futebol de 1958. Ouvindo num rádio antigo a sofrível transmissão, escutamos Pelé e os companheiros tornarem o Brasil campeão do mundo pela primeira vez. Passei então a acompanhar pelos jornais, revistas e mesmo pelo rádio e TV o futebol desse gênio. E assim foi em 1962, bicampeão; 1966, a perda diante da violência. Tudo sem transmissão direta televisionada, o que aconteceu somente na Copa de 1970 no México, finalmente tricampeão.
Durante esse período acompanhei as maravilhas da carreira do Pelé, inclusive o bicampeonato mundial interclubes de 1962-63. Tornei-me, desde sempre, fã incondicional de Pelé, o carrasco do meu time. E, por que não dizer, ocasionalmente torcedor do Santos Futebol Clube, toda vez que ele jogava no exterior e goleava belos times, assim como fazia no nosso Rio de Janeiro.
Porém, neste momento em que sofremos muito com a perda do Edson Arantes do Nascimento e fazemos a consagração final do mito genial Pelé, rememorando abundantemente as incontáveis maravilhas de sua carreira, veio-me uma reflexão que gostaria de compartilhar. O Pelé não foi só um jogador e esportista inigualável, eternizado para toda a humanidade. Foi muito mais que isto: Pelé foi e é parte da minha vida, do meu passado e presente, como sempre foi para os brasileiros em geral, mesmo os nascidos depois do encerramento de sua carreira.
Com efeito, saio dessa análise objetiva, ou mesmo emocional e subjetiva, seja pela imprensa, seja pelas pessoas em geral, a respeito do que foi e sempre será a figura incrível apelidada Pelé. Analiso precisamente o que representou na minha própria vida, parte integral da minha existência desde 1958; na realidade, parte do que sou como ser humano, meus bons sonhos, minha memória eletiva do agradável e reconfortante; minhas lembranças constantes da estética e arte de suas jogadas, de sua técnica apurada e inventiva, de sua objetividade em relação ao gol, de sua disciplina, persistência e destemor. Isso sem perder de vista virtudes exemplares de humildade, simpatia e bondade.
Não falo em erros, desprezíveis na conta de uma vida admirável, e errar é humano. Pelé –bem como tudo o que o cerca no futebol–, repito, é parte de mim, como é para a imensa multidão de brasileiros e estrangeiros, à exceção −ressalve-se− de alguns poucos hermanos.
Já o Edson Arantes do Nascimento faleceu e estamos sofrendo e pranteando a sua morte, acabando de enterrá-lo. No entanto, numa aparente contradição, como é gostoso e faz bem para nossa autoestima celebrar sempre e sempre a eternidade de Pelé!
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.