Júlio Saraiva
o poema descansa num cômodo
desta casa inabitável
foge das palavras frias e gastas
que sem pedir licença insistem
em lhe quebrar o santo sono
o poema pede sossego apenas
não devemos perturbá-lo com
metáforas e rimas muito menos
casos de amor mal resolvidos
luas de noites passadas em claro
estrelas dos versos de bilac
disto tudo o poema quer distância
o poema deseja que nos afastemos
levando conosco as vozes declamadoras
o poema deseja apenas o desprezo
dos cemitérios abandonados
das mulheres que perderam a beleza
nas lágrimas choradas pelos maridos
que disseram volto já
mas nunca mais voltaram
o poema quer ficar longe do poeta
não adianta insistir não adianta
o poema nada tem a dizer ou declarar
amanhã talvez mude de ideia
por enquanto pede apenas que o deixemos
quieto e intocável
em sua absoluta e total solidão de poema
Júlio Saraiva foi jornalista e poeta. Nasceu em São Paulo (SP) em 6 de agosto de 1956 e morreu em São Paulo (SP) em 22 de fevereiro de 2013. Teve passagens, entre outros, pelos jornais “Notícias Populares”, “Diário Popular”, “Diário da Noite” e pela Radiobrás, cobrindo especialmente grandes casos policiais. Distante das redações, viveu nos últimos anos de free lances e de sua poesia, muito apreciada em Portugal.
> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.