Foto / Google/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Festa junina é cada vez mais um evento gastronômico. E o cardápio não se limita às delícias tradicionais, hoje tem x-salada, minipizza, pastel, sanduíche de calabresa, espetinho, trufas de chocolate e muito mais.

Tudo muito bom. Uma delícia ir com a família a uma dessas festas –principalmente as beneficentes, é claro– e comer de tudo um pouco. Mas, acho que você vai concordar comigo, uma festa junina não é só isto.

Primeiro, porque elas vêm de uma tradição antiga, primeiro pagã e depois cristã. De acordo com os meus conhecimentos –uma boa pesquisa no Google (rss…)– elas surgiram na Europa, quando se comemorava a fertilidade da terra e as boas colheitas, sempre durante o solstício de verão, que acontecia no dia 24 de junho.

Ao incorporar símbolos religiosos, as celebrações passaram a abranger outras datas de junho em homenagem aos santos católicos santo Antônio (dia 13), são João (24) e são Pedro (29). No entanto, as primeiras festas eram dedicadas exclusivamente a são João, sendo chamadas de joaninas, até ganharem o nome atual de festas juninas.

A colonização do Brasil trouxe até nós também os festejos dos colonizadores. Assim, as festas juninas chegaram até aqui com seus símbolos. A dança de quadrilha, por exemplo, surgiu na corte portuguesa que chegou ao Brasil em 1808 com dom João VI. O mesmo ocorreu com o pau de sebo, um mastro todo engordurado que dava direito a uma prenda a quem chegasse ao seu topo, além da fama de bravura.

Como as tradições foram mais conservadas nas regiões interioranas, as festas também ficaram conhecidas como festas caipiras, reunindo a música e a comida de cada lugar. Um exemplo disso é o famoso bolinho caipira das festas juninas no Vale do Paraíba. Com o detalhe de que cada cidade tem uma maneira própria de fazê-lo.

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Tudo diferente

Já que estamos falando em tradição, vou abrir o meu bauzinho de memórias, mas juro que vou tentar ser breve, apesar das lembranças muito marcantes. Passei a infância em um bairro da cidade de São Paulo, a Vila Ema. Dessa época, tenho vivas na memória as festas que se faziam nos próprios quintais das casas, convidando parentes e vizinhos (aqueles com quem não se estava brigado, é claro). Mas as crianças tinham livre acesso a todas as festas da rua. E aí entrava o símbolo que considero o principal de uma verdadeira festa junina: a fogueira.

Era tudo bem prático, madeira não faltava. Todos tinham em seus terrenos uma espécie de “depósito de ferro velho” particular, com madeira de construção, tocos de árvores, todo tipo de resto de pequenas reformas, como ferro, arame, fios e outros materiais, além de muitas garrafas usadas que, de vez em quando, passava o garrafeiro para comprar.

Nessas festas, depois de acesa a fogueira, começava a acontecer um tal de trocar comidas e bebidas que transformava aquele ambiente simples em uma espécie de banquete, também simples, mas variadíssimo. A pipoca, o amendoim, o pé de moleque, o doce de abóbora, eram quase banais. Mas aí começava a chegar arroz doce, canjica –com ou sem amendoim–, pinhão cozido, bolo de fubá, cocada e por aí afora.

Voltemos à fogueira. Começavam a surgir batatas doces e pinhões vindos de todos os cantos. Eles eram colocados junto à brasa que começava a se formar em torno da fogueira. Cada criança tinha a sua batata e ficava tomando conta dela para não ser “assaltada” por outra mais esperta.

E os fogos e as bombinhas? Confesso que não me recordo de muitos fogos nas minhas festas juninas. Acho que eles eram mais comuns na passagem do ano e nas decisões do futebol. Mas as bombinhas, essas não podiam faltar, apesar de os pais morrerem de medo daquilo nas mãos das crianças.

Os mais novinhos, sei lá, até uns três aninhos, ganhavam caixinhas de papelão contendo as inofensivas biribinhas, também conhecidas como traques. Depois, vinham três tipos de bombinhas, de acordo com a quantidade de pólvora e o tamanho do barulho provocado. Interessante é que eu passei a infância inteira conhecendo esses explosivos como bombinha de 100, de 200 e de 500. Acho que os nomes surgiram pelo preço de cada uma ou a quantidade de pólvora, não tenho certeza. As de 100 eram uns palitos pouco mais fortes que os traques; as de 200 eram uma bomba intermediária para evitar que um menino de uns 6 a 8 anos passasse vergonha; e as de 500 eram só para os fortes.

Havia também os balões. Os menores vinham prontos, eram feitos de papel bem simples e se chamavam chinezinhos. Voavam só nas redondezas. Outros, eram feitos com bambu conseguido no mato, papel de seda, cola feita com farinha de trigo e mecha de cera envolvida em estopa moldada em arame.

E ainda tinha o final da festa. Depois de comer bastante, soltar todas as bombinhas, brincar muito, brigar um pouco e tomar uns tapas na bunda dos pais, era a hora de pedir para ficar mais um pouco esperando a fogueira se apagar, ver alguns molecões e até adultos pularem a fogueira e, finalmente, ouvir da mãe a clássica advertência:

–– Sai de perto desse fogo senão vai fazer xixi na cama…

As minhas festas eram assim. Acho que festas maiores eram as das paróquias, clubinhos de bairro e escolas, mas não me lembro delas a não ser por aqueles mastros altíssimos com a figura de um dos três santos pintada em uma tela quadrada de algodão.

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Tudo proibido

Nem preciso lembrar que quase tudo isto está proibido hoje em dia. As fogueiras são acusadas de provocar queimadas imensas; os fogos de artifício, de prejudicar pessoas portadoras de autismo e animais domésticos que têm audição sensível, além de idosos e gente que não gosta mesmo dos estouros; as bombinhas, de provocar ferimentos nas mãos das crianças menos cautelosas. E por aí vai…

Não questiono nada disso. Lei é lei. Só me permito imaginar que, assim como costuma-se dizer que a diferença do remédio para o veneno está na dosagem, será que os legisladores não exageraram? Afinal, uma fogueira de 10 metros de altura é muito diferente de outra com uma dúzia de pedaços de madeira velha; bombinhas de 100, 200 e 500 não chegam a ser nenhum armamento de guerra. Mais do que isso –balões, fogos barulhentos, som no último volume etc.–, concordo, deve ser evitado em nome da segurança das nossas cidades e campos.

Também acho que o exagero de tantas festas durante o mês de junho –agora invadindo até o mês de julho e ganhando o nome de julinas– contribui para a magia dessa tradição perder um pouco de sua graça. Lembre-se, antes eram três festas, nos dias 13, 24 e 29. Depois, só no ano seguinte.

Mas a fogueirinha, a batata doce assando ao lado dela, as comidinhas simples e típicas, algumas bandeirinhas feitas com as próprias mãos, músicas típicas da época, famílias e vizinhos juntos conversando e comemorando… ah, isso não tem preço.

E você? O que está faltando na sua festa junina?

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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