Nos dias de hoje, pega até mal falar de política no Brasil. A gente passa por ingênuo, alguém que não vê tudo o que tem acontecido de podre nas últimas décadas e ainda acredita na política e nos políticos. Ou passa também por um desses espertalhões que tentam de todas as formas entrar no “jogo” e levar vantagens no meio de toda esta maracutaia.
Confesso que, apesar de saber que a participação na vida política é fundamental para quem deseja uma cidade, um estado, um país melhor, em momentos como o que estamos vivendo dou uma “tirada de pé” do acelerador, coloco a alavanca do câmbio em “ponto morto” e cancelo qualquer “viagem” até que se possa ver de novo alguma luz no fim desse túnel chamado Brasil.
Porém, em momentos como este da multiplicação do fundo partidário aprovada pela Câmara Federal para realizar campanhas eleitorais, meus dedos coçam em busca das teclas e a vontade de retomar velhos temas torna-se inevitável.
Acho que o grande equívoco que a política brasileira comete é o de inverter a ordem das coisas. Bem simplificadamente –até porque não sou nenhum cientista político–, a coisa se resume no seguinte raciocínio: o Estado brasileiro existe para cuidar do povo, ou é o povo brasileiro que existe para manter o Estado?
Percebe? Falando em português ainda mais claro, no Brasil não é mais o cachorro que balança o rabo? Agora é o rabo que balança o cachorro?
Talvez eu seja mesmo ingênuo e em nenhum momento da história deste país o povo tenha tido vez. E quando se achou que tinha, a balança pendia para os privilegiados, uma minoria de uns 5% que sempre lucra com as operações tenebrosas que se fazem em nome do pretenso “estado de bem-estar” dos outros 95%.
Mas acho que você vai concordar que nunca a desesperança com o futuro do Brasil foi tão grande. Quem deveria se entender, mesmo na discordância, não se entende. E a conta sobra para todos nós. Nós, sociedade, que deveríamos ditar as regras, mas que, pelo contrário, somos submetidos às regras que essa nomenklatura* nos impõe.
Como mostra o ditado popular, “na briga entre o mar e o rochedo, o marisco é que apanha”. Sinto muito dizer, mas o marisco temos sido nós, povo brasileiro. Veja alguns exemplos:
– O Brasil é o celeiro do mundo, mas nós pagamos mais de R$ 20 por um pacote com 5 quilos de arroz.
– Somos o maior produtor mundial de carne, mas estamos comprando (ou não) carne de segunda a preço de filé mignon.
– Já somos autossuficientes em petróleo, temos o pré-sal para garantir o futuro, mas pagamos preço internacional, como se não produzíssemos nem uma gota do tal precioso líquido.
Pergunto – Se a sociedade realmente tivesse o poder, o correto não seria o país só exportar o seu excedente e garantir abastecimento bom e barato para a sua população? Afinal, nós somos uma Nação (país + povo) ou somos uma empresa? Quem tem que dar lucro é empresa. O lucro que a Nação deve gerar é o lucro social.
Mais exemplos, agora sobre a pandemia:
– Os governos se apressaram a criar regras para que as empresas reduzissem salários, flexibilizassem a legislação, reduzindo enormemente a renda de milhões de brasileiros; mas não se tem notícia de um único caso de redução de salário entre os funcionários públicos –temporários e comissionados não valem.
– Grande parte do comércio e dos serviços teve que fechar as portas, com prejuízos enormes para empresários e profissionais liberais; mas, mesmo atuando em “ponto morto”, com sessões online improvisadas e esvaziadas, vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores que integram o Poder Legislativo não perderam um centavo de rendimento.
– Ao invés de obedecer ao desejo e à necessidade da maioria absoluta da população pela compra imediata de vacinas contra a covid-19, a classe política preferiu debater interminavelmente sobre o “sexo dos anjos”, contribuindo para milhares e milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.
Pergunto outra vez – Em uma situação extrema como a que ainda estamos vivendo, não seria o caso desses “guerreiros” baixarem as armas, se unirem e executarem as ações necessárias para um país em estado de calamidade?
Precisa de mais exemplos?
– A renda do brasileiro caiu terrivelmente; mas, pasmem, a arrecadação de impostos aumentou no país.
– As pessoas mal podiam sair à rua nos piores momentos; mas em vez de proteger os trabalhadores em geral, o Brasil se preocupava com os salários milionários de jogadores de futebol, a ponto de recomeçarem os campeonatos antes que as empresas reabrissem as portas.
– Ao mesmo tempo que as pessoas corriam em busca de cestas básicas para alimentar suas famílias, as grandes redes de supermercados continuaram subindo seus preços como se nada estivesse acontecendo, como se não houvesse amanhã.
Então…
Chega a vez do tal “fundão” eleitoral de R$ 5,7 bilhões, ou seja, um saco sem fundo de dinheiro para que a sociedade pague como “cachê” aos seus “artistas” se apresentarem a nós como candidatos.
Mesmo que o valor seja vetado pelo presidente da República –como um ato populista nesse momento desesperador que ele atravessa–, é óbvio que esta excrescência não deveria ter sido proposta. E, se proposta, não deveria ter sido aprovada.
Aliás, não deveria sequer ter sido colocada em discussão em um período como o que estamos vivendo. É mais ou menos o mesmo que ir ao enterro do familiar e, na volta, parar no açougue para comprar a carne do churrasco.
Espaço e exemplos não faltam para expor aqui os absurdos que a sociedade organizada (organizada?) vem sofrendo nas mãos do Estado brasileiro. Mas já chega, não é? A verdade é que hoje nossa classe dirigente, dos três Poderes, tem ignorado o seu papel constitucional e transformado a sociedade em refém das suas práticas corporativistas e antidemocráticas.
É, amigos. O rabo está balançando o cachorro. Até quando?
*Nomenklatura era como se designava a “burocracia”, ou “casta dirigente” da União Soviética. Ela incluía altos funcionários do Partido Comunista, trabalhadores com cargos técnicos, artistas e outras pessoas que gozavam da simpatia do partido. (Fonte: Wikipédia)
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.