Sempre tentei não ser um sujeito radical. Acho que tenho conseguido. Mas isso não significa fechar os olhos para o que acontece de errado ou para coisas que precisam ser melhoradas. Isto vale para tudo na vida: futebol, família, amigos, comunidade, serviços públicos e, é claro, para a nossa política e quem nos comanda no dia a dia.
É aí que entram os poderes da nossa República: Executivo, Legislativo e Judiciário. Concordo com quem acha que os três estão podres, os três necessitam de uma faxina urgente. Na verdade, os três precisam ser repensados.
Mas hoje vou comentar sobre o Poder Judiciário. É aquele que, como diz a gíria, “se acha”, ou seja, acredita –ou finge que acredita– que é o mais ético e o que merece mais respeito dos cidadãos. Infelizmente, vou ter que discordar. Está tão desmoralizado quanto os outros.
Basta a gente acompanhar o noticiário para perceber isso. No Rio –sempre o Rio!– o Tribunal de Justiça do estado pagou R$ 677 milhões em bônus salariais para 604 juízes e desembargadores entre maio de 2022 e maio deste ano. O problema é que o benefício que eles receberam foi extinto há 20 anos. Mas os doutores entendem que uma decisão do STF os autoriza a receber. E ponto final.
Você já deve ter ficado sabendo de juízes e outros membros da tal Magistratura que também cometem seus deslizes, entre os quais até assédio sexual. E como se resolve isso? Simples: quando não há mais o que fazer para manter o sujeito na ativa, a solução encontrada é a aposentaria. Aposentar como? Com todos os direitos e garantias de quem se aposentou após décadas de conduta ilibada, e com salário integral, é claro.
Os exemplos são muitos e você deve conhecer vários. Mas agora eu gostaria de comentar sobre o “top” do Judiciário, a cereja do bolo, o Supremo Tribunal Federal, conhecido pela sigla STF. É onde quase tudo o que é importante no país acaba indo parar, desde enguiços políticos, passando por decisões que afetam a economia e, para nossa preocupação eterna, por questões que podem mexer com a vida de todos os cidadãos brasileiros. Apesar de o nosso Supremo ter nos livrado de uma tentativa de golpe no dia 8 de janeiro –o que não é pouca coisa–, na verdade o STF atual me preocupa.
Ao falar sobre o STF brasileiro não tenho como deixar de recorrer ao saudosismo que afeta nove em cada dez pessoas que já passaram dos 50 anos. Vou dizer que, quando comecei a ouvir falar de STF, a nossa corte suprema era formada por gente que tinha horror a aparecer em público, quase não dava entrevista e não revelava nem às patroas, no recesso dos seus lares, os votos que iriam proferir.
Será que estou sendo inocente? Corro esse risco. Mas o fato é que se “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”, pensamento imortalizado no Império Romano à época de Júlio César, o fato é que, além de parecer honesto, o STF passava imagem de seriedade e, por consequência, de confiança.
Não vou chegar ao exagero, ao abordar o STF dos dias atuais, de dizer que não é honesto. Não se trata disso. Mas vou usar do meu direito de cidadão para dizer que ele poderia se esforçar mais para parecer honesto. E como se faz isso? Lançando sinais de que o Brasil pode confiar nas decisões dos onze ministros que detêm um enorme poder sobre quase tudo. Vamos a alguns exemplos…
Tudo começa com o processo de escolha. Primeiro, é o presidente da República que indica o nome da sua preferência para ocupar uma vaga que se abre. Segundo, é o Senado Federal que faz uma sabatina com o candidato e o aprova ou o rejeita. Convenhamos: isto transforma o futuro ministro em um pedinte atrás de apoios e votos. Quando chega ao STF, já apertou muitas mãos e ficou devendo muitos favores.
Se no passado o processo era o mesmo, não tenho dúvidas de que era mais discreto. O presidente procurava um nome mais ligado à carreira na Magistratura, dando a entender que o cidadão foi escolhido pela sua cultura jurídica, pela experiência nos escalões inferiores do Judiciário e pelo conjunto da carreira.
Bem diferente do que acontece hoje, quando nem é muito necessário valorizar o currículo do candidato a ministro, basta tão somente indicá-lo e ter uma boa possibilidade de ver o nome aprovado pelos senadores. Mais ou menos como aconteceu com as duas indicações do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que emplacou os nomes de Kassio Nunes Marques e André Luiz de Almeida Mendonça. O primeiro, ao menos chegou a desembargador do Tribunal Regional Federal; o segundo, porém, teve como cargos de maior expressão os que recebeu como nomeação política por Bolsonaro.
Para não ficar no exemplo bolsonarista, lembro aqui que José Antonio Dias Toffoli, nomeado no segundo mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2009, tinha como maior credencial o fato de ter sido assessor jurídico do Partido dos Trabalhadores.
Agora, surge mais um exemplo do viciado processo de escolha no STF com a indicação do advogado Cristiano Zanin. O novato pode ser aprovado e um dia vir a se transformar em um destaque do time da toga preta. Porém, é inevitável a impressão de que, no momento, ele é o ganhador de um presente por ter livrado Lula da cadeia no conturbado processo tocado pela Operação Lava Jato.
E tem mais. Se a forma de escolha dos ministros do STF parece esquisita, o comportamento dos ministros atuais também não deixa de ser estranho. Alguns gostam de mostrar poder, outros falam demais, outros dão desculpas esfarrapadas para certas atitudes. Isto sem falar que é mais difícil saber a escalação do Palmeiras ou do Flamengo do que o voto de cada um.
Acredite se quiser, mas o julgamento que deu o mandato do deputado cassado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) ao seu suplente, o economista e ex-deputado Luiz Carlos Hauly, não teve o voto de Nunes Marques no plenário virtual. Questionado pelo “Estadão”, o gabinete do ministro informou que ele estava sem internet. “O ministro Nunes Marques estava em uma região do País em que a conexão de internet é instável e não conseguiu participar da votação”, foi a nota emitida pela sua assessoria. Inacreditável.
Percebe que alguma coisa está fora da ordem no nosso STF? E no nosso Judiciário? E no nosso Legislativo? Está faltando a gente retomar aquela frase do tempo de César. Além de ser, o STF precisa parecer. Podíamos começar a recuperação dos poderes por aí. Pelo topo.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.