A imagem produzida por satélite mostra as temperaturas dos oceanos em torno da América do Sul, onde atuam os fenômenos El Niño e La Niña. Foto / NOAA Via Metsul/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Faz algumas semanas que aguardo ansiosamente a próxima quarta-feira. Isto mesmo, o dia 20 de março. É quando o Brasil entra no outono e deixa para trás o verão infernal de 2023/24. É quando finalmente eu vou poder parar de suar, de sentir irritação na pele, de desistir de caminhadas e de outras saidinhas ao ar livre.

Estou exagerando? Pode crer que não. Pode existir alguém que sinta calor na mesma intensidade que eu sinto. Mais do que eu sinto, acho que não existe. Para você ter uma ideia, não me lembro da última vez que usei camisa de mangas compridas. É camiseta e só. Blusa, então, acho que não foram mais de cinco vezes no inverno passado.

Esse ser calorento que eu me tornei vem de muito longe. Meu primeiro verão vivido –e quase não sobrevivido– no Vale do Paraíba foi o de 1975/76. Foi em Caçapava, onde fui morar depois de sair da “serrana” São Bernardo do Campo da minha adolescência.

Fomos morar mais ou menos no meio do caminho entre o centro da cidade e o rio Paraíba. Um bom entendedor já percebeu que eu estava em plena várzea do rio. Vizinha de casa, estava a fazenda do pecuarista Olavo Taino –foi político por um tempinho–, onde se revezavam culturas de arroz e batata.

Descobri que, antes de uma obra de correção do leito do Paraíba, chamadas de pôlderes –diques que passaram a controlar as cheias–, aquela região sofria inundações constantes, o rio tomava conta. Então, imagine o clima que a gente tinha ali. Lembro de uma madrugada em que acordei quase sem respirar e banhado de suor devido à falta absoluta de um ventinho.

Naquela madrugada, prometi a mim mesmo que no dia seguinte tomaria o primeiro Pássaro Marrom –eles escreviam Marron, com n– e fugiria de volta para o ABC. Mas acabei refugando da ameaça e fui ficando. Afinal, os invernos naqueles tempos também eram rigorosos.

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Por volta de 1980, já morando em São José dos Campos, vivi invernos de arrepiar, gelados, com ventos fortes, chuvas brabas. Sofri, mas desta vez sem muito sacrifício. Afinal, quanto mais frio, mais eu me lembrava das cerrações de São Bernardo, que chegavam por volta de três da tarde e invadiam noites e madrugadas.

Como eu disse aí acima, fui ficando e me adequando à cidade e ao seu clima. Porém, a cidade e região foram mudando ano após ano. Invernos cada vez menos rigorosos, verões cada vez mais quentes, chuvas cada vez mais intensas, o fato é que o microclima da região de São José dos Campos nunca mais foi o daqueles tempos do meu batismo de fogo no início dos anos 80.

Junto com colegas jornalistas, aprendi naqueles anos a conviver com um novo fenômeno climático: o El Niño. Nem sei se o “menino” era novo mesmo, ou os cientistas é que ainda não o haviam descoberto. O El Niño foi um dos primeiros vilões que fizeram o clima no Brasil –na América do Sul e no planeta– mudar.

Começamos a falar dele, se não estou enganado, em meados dos anos 80. Nosso “decano”, o mais maduro dos repórteres daquele grupo, o saudoso Flávio Nery, chegou a compor uma espécie de verso poético para explicar o fenômeno. Era algo como: as águas do Oceano Pacífico / próximas da costa do Peru e do Equador / ficam mais quentes em determinados anos / e quando isso acontece / o clima no Brasil vira de cabeça para baixo.

Pois é, o El Niño, nos anos em que ficava mais forte, provocava desde secas profundas no Nordeste, até chuvas torrenciais no Sul. E ele veio para ficar, alguns anos mais forte, outros menos ou quase ausente, mas mudando de uma vez as nossas vidas.

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De alguns anos para cá, o “menino” ganhou uma adversária, uma “menina”, batizada de La Niña. A garota provoca praticamente o oposto do garoto, ou seja, ela surge através do resfriamento das águas na mesma região do Pacífico. E traz para o Brasil mais chuvas no Nordeste e mais secas no Sul. De um modo geral, propicia temperaturas bem mais amenas que o El Niño na região Sudeste, onde estamos.

Peço desculpas se as definições dos dois fenômenos não são muito exatas. Convido você, leitor, a bater na porta do Sr. Google e digitar os nomes dos dois personagens. Com certeza, muita gente boa vai ter explicações bem mais competentes que as minhas.

De qualquer forma, estou um pouco mais aliviado nestes dias, encarando o futuro próximo com menos temor. A boa notícia, ao menos para o hipercalorento aqui, é que La Niña está chegando rapidamente. Aguardo por ela, mesmo sabendo que a nossa região Sudeste, o nosso Vale do Paraíba, não é a maior vítima dos extremos climáticos que atingem o Brasil. Aqui, passamos por desconfortos, mas regiões como o Sul, Centro-Oeste e Nordeste chegam a conviver com tragédias que tiram vidas e destroem sonhos.

Nem vou falar nesta crônica sobre o aquecimento global provocado pelos gases de efeito estufa e o desmatamento, que estão provocando alterações climáticas ainda mais profundas em todo o planeta. Outro dia, quem sabe. Hoje, El Niño e La Niña bastam.

Que La Niña seja bem-vinda na sua chegada, prevista para os próximos meses. Mas que venha comportada e tranquila. O seu adversário, o esquentadinho El Niño, já aprontou muito com a gente nos últimos anos.

E que venha o outono. Pelo amor de Deus!

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.

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