Foto / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Numa manhã de sábado saí para ir à Faculdade de Direito da Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Levei a tiracolo com a papelada necessária para encaminhar a resolução de uma pendência.

Fazia frio e a sensação térmica era menor ainda por causa do vento. Como não tinha pressa, deixei o carro na garagem. Peguei um ônibus lotado, surpreendendo-me com a quantidade de pessoas que labuta aos sábados.

Minha estada na faculdade durou pouco. O suficiente para uma dupla de futuras advogadas, diligentemente, se inteirarem do meu problema para embasar uma petição ao meritíssimo juiz da Vara Especial Cível. E fui para o ponto de ônibus esperançoso de um final feliz para a minha queixa.

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A ventania tinha cessado e o sol forte elevou a temperatura, obrigando-me a desagasalhar. Passava um pouco das dez horas. Ao contrário de quando fui, na volta para o Bosque dos Eucaliptos, onde moro, o ônibus estava quase vazio.

Ao entrar deparei-me com uma passageira no banco próximo da porta de entrada. Tratava-se de uma senhora bem-apessoada, de grisalho curto e rosto levemente maquiado. Vestia um requintado conjunto verde tom sobre tom e um sapato branco, baixo.

No assento seguinte ao da distinta estava um sujeito magro, de rosto fino e cabelos lisos e ralos. Carregava uma mochila, parecendo voltar do trabalho. O motorista denotava tranquilidade ao volante. Senhor de si, a cada troca de marcha descansava o braço sobre a manopla do câmbio. Com a outra mão guiava o ônibus.

Sabe o que a mulher grisalha, o homem de cabelo ralo e o motorista tranquilão faziam em comum? Discutiam política. Conversavam animadamente, parecendo se conhecer de longa data. Na pauta, as eleições de 2 de outubro.

Aboletei-me no assento atrás do motorista, liguei o escutador de novelas, e pensei: quem sabe esses três, nessa prosa civilizada, têm uma solução para os graves problemas do país –como de resto todo brasileiro tem.

Percebi na conversa a sutil preferência de cada um, mas todos concordavam que os candidatos ao mais importante e cobiçado cargo de poder político do país são mais do mesmo. “Farinha do mesmo saco!”, bradou o condutor, de olho no fluxo na avenida Adhemar de Barros. “Concordo!”, asseverou, solene, o homem de rosto fino, para opinar.

– O problema é o Congresso. Deputados e senadores são de péssimo nível, têm muitas mordomias, gordos salários e ainda fazem maracutaias. Se o Congresso desempenhasse bem o seu papel fiscalizador o Executivo seria melhor, disse, demonstrando entendimento.

E como bom pescador, fez uma inusitada conotação do seu hobby com a quase sempre turbulenta relação do presidente da República com o Congresso. “É preciso reconhecer que, para o Executivo, nem sempre o mar está pra peixe”, arrematou. Do banco da janelinha do Romário a mulher ora fazia um adendo, ora meneava a cabeça, concordando.

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Para o motorista, o próximo presidente precisa ser como ele ao volante: atento às necessidades da rua e calmo nas suas decisões, para não fazer barbeiragem. Nisso o ônibus chegou ao início da avenida Andrômeda, ponto final para a mulher de cabelos em neve.

Ela levantou-se, agradeceu pela conversa que lhe abreviou a viagem e deu o veredito sobre o momento atual com base na sua fé. “Olha, eu acho que a gente precisa rezar muito e pedir a Deus que tenha dó do Brasil. Não dizem que Ele é brasileiro?”. A seguir, despediu-se com um tchau, desceu e saracoteou em direção ao shopping do outro lado.

Segui viagem encabulado com aquele questionamento e concluí, num breve passeio pelo mundo político de ontem e de hoje, que o livre arbítrio faz de cada um dono do seu nariz.

Brasileiro ou não, Deus não tem nada a ver com o caos intelectual e moral da classe política, mas, às vésperas de um novo pleito, a sugestão da elegante senhora faz sentido. Quem sabe se, ante súplica sincera, Ele não se apieda do Brasil e dá discernimento ao brasileiro para se livrar dos gafanhotos da política.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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