Eugenio Montejo
O octogésimo ano da minha vida está tão distante
quanto o momento em que nasci.
Ao longe, os relógios apagam-se,
mas esta noite abro a minha casa aos meus amigos,
quero que todos venham
festejar ao meu lado.
Somente meus biógrafos podem ser exatos
com lentes de aumento sombrias.
E embora sua astúcia possa me corrigir amanhã,
analiso minha idade sobre seu horóscopo
e antecipo o sol futuro.
É melhor assim: os deuses são mesquinhos,
não sei quanto me resta.
Esta noite eu envelheço de repente,
talvez não tenha nevado em minhas têmporas,
sou de um país sem neve.
A vida rolou tanto entre meus ossos
que tem peso, a
idade me tornou leve,
me acomodou no vazio
sem me tornar sábia –
meus oitenta anos não são tantos.
Somente as lupas de meus biógrafos
restaurarão as cifras dos dias
até que fixem a quantidade de sombra
em seus quadrantes de cinza.
O octogésimo ano é um limite impreciso
em que me vejo e não me vejo,
é tão longe desta época,
tão incerto,
que embora não falte nenhum amigo
talvez eu seja o ausente.
Mas alguém (posso jurar que estou olhando para ele)
vai me homenagear, erguendo um copo
apesar do silêncio, da solidão, da morte.
E naquele instante eu serei ele,
e sua crença sobre a vida
é minha crença;
mesmo que ele ainda não tenha nascido
e esteja separado de minha casa
por léguas de mar e nuvens de poeira de caminho,
sei que ele não vai perder meu aniversário,
convidei-o para minha festa.
Eugenio Montejo foi um poeta venezuelano, fundador da revista literária “Azar” e cofundador da revista “Poesía”, publicada pela Universidade de Carabobo. Foi colaborador de uma grande quantidade de revistas nacionais e internacionais. Nasceu em Caracas, em 19 de outubro de 1938, e morreu em Valência (Venezuela), em 5 de junho de 2008. Fonte: Wikipédia
> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.