A notícia, publicada em toda a imprensa na manhã desta quarta-feira, primeiro dia de inverno, chamou atenção. O rapaz de 21 anos que assassinou dois estudantes da cidade de Cambé, no Paraná, depois de conseguir entrar na escola durante o intervalo e disparar ao menos 16 tiros a esmo, foi encontrado morto em sua cela, na cidade de Londrina. Segundo a imprensa, a morte foi provocada por enforcamento. Foi encontrada uma corda improvisada junto ao corpo. Suicídio? Homicídio?
Em primeiro lugar, cabe a qualquer cidadão civilizado, lamentar esse tipo de crime que, obviamente, não apaga e nem desfaz o crime anterior. Toda sociedade onde vigore o chamado Estado Democrático de Direito deve reservar a aplicação da justiça ao poder que possui essa incumbência, o Poder Judiciário. Fazer justiça “com as próprias mãos” é típico de democracias inoperantes ou de ditaduras sanguinárias que não atendem as demandas da população.
Que o Judiciário aplique a justiça, é assim que deve ser. Ou, pelo menos, é assim que deveria ser. Porque aí começamos a enveredar pelo tortuoso caminho da eficácia, rapidez e credibilidade da justiça que se pratica no Brasil atual. É quase generalizada a impressão de que a justiça brasileira tem sido fraca, demorada e em muitos casos ineficaz. Seja no âmbito, civil seja no criminal.
Qual seria o destino do infeliz homicida que se transformou em vítima de um novo homicídio? Seria alegar –como já alegou à polícia após ser detido– que era portador de esquizofrenia e neuroatípico (seja lá o que for isso). Por isso, invadiu a escola e matou duas pessoas para se vingar de um suposto bullying sofrido em 2014, há nove anos, cometendo um crime que planejou durante quatro anos. Ou seja, tudo indicava um longo processo na justiça com grande possibilidade de uma decisão pela inimputabilidade com encaminhamento para tratamento.
Essa demora é exasperante para as famílias e comunidades vítimas de crimes, que ficam com a sensação de impunidade. Ficam achando que o crime no Brasil compensa –e em muitos casos isto acontece de fato, certo? Porém, volto a dizer que a justiça com as próprias mãos não é a solução. Ela apenas gera mais e mais crimes. E, pior que isso, quando sai do controle, produz os matadores de aluguel, os esquadrões da morte e as milícias. Isto mesmo, as milícias que dizem “proteger” o cidadão dos bandidos e traficantes de drogas.
Confesso que já havia pensado nesse tema – ajustiça brasileira– dias atrás, quando li que um general de 92 anos foi recolhido à prisão para cumprir pena de 18 anos por participar de uma espécie de caravana da morte durante a instalação da ditadura militar no Chile. Sim, eu disse Chile. A notícia informou ainda que mais cinco ou seis condenados, todos já na chamada terceira idade, foram juntos para a cadeia. Eu disse cadeia. Sem progressão de pena, sem habeas corpus em função da idade, sem prisão domiciliar.
E aí começa a explicação do momento que vive a justiça brasileira, com prestígio despencando ladeira abaixo. Aqui, não se conseguiu sequer indiciar o notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra pelos seus crimes. Pior, chegou-se praticamente a homenagear o sujeito. E que o leitor não pense que aqui se trate de uma questão ideológica.
São muitos os casos de decisões impopulares, seja anulando julgamentos e não considerando provas produzidas (Lula, José Dirceu, os Odebrecht etc.), anulando sentenças centenárias para colocar os réus em liberdade (Sergio Cabral, Eduardo Cunha etc.), o mesmo acontecendo com responsáveis por crimes financeiros. É bom lembrar que o também notório Paulo Maluf foi retirado da prisão e entregue diretamente à sua mansão, onde está instalada uma das maiores adegas de vinhos finos e caros do país.
Não queria chegar a tanto, mas vamos lembrar aqui como um mesmo tipo de crime pode ser tratado com critérios desiguais por justiças de países diferentes. Enquanto o jogador Daniel Alves está atrás das grades mesmo durante o processo de investigação sobre o seu suposto estupro, lá na Espanha, o jogador Robinho joga futevôlei nas areias da Baixada Santista mesmo após ter sido condenado pela justiça italiana a uma pena de nove anos, também por estupro.
As duas vítimas de estupro são diferentes? Os dois praticantes dos estupros são diferentes? Não. Mas as justiças dos três países envolvidos –Espanha, Itália e Brasil– demostram ser diferentes. A do Brasil, fazendo por merecer uma certa falta de credibilidade. A nosso desfavor, não custa lembrar que essa fama tem lugar na história. Para onde o senhor Ronald Biggs fugiu, em 1970, após participar de assalto milionário a um trem postal na Inglaterra? Para o Brasil, onde viveu até o quase o fim da vida e era uma espécie de celebridade da cena carioca. Após um acordo de extradição firmado entre os dois países em 2017, Biggs retornou à Inglaterra em 2001 –espontaneamente–, onde pegou cadeia até 2009.
Não se deve fazer justiça com as próprias mãos, insisto pela terceira ou quarta vez neste texto. Mas, ao mesmo tempo, o cidadão deve acreditar na sua justiça. Caso isso não aconteça, crimes como o assassinato –se é que não foi um suicídio, vamos aguardar as perícias– na cela paranaense vai ser visto por muita gente como uma espécie de “justiça divina” que tirou mais um criminoso das ruas.
Portanto, fica o apelo por uma justiça brasileira mais rápida, severa e eficaz. Antes que seja tarde.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.