Foto / Elo7/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Infelizmente, lembro-me bem do dia em que deixei meu pai careca. Ou mais careca. Foi numa festa de aniversário infantil, lá perto de 1954, eu criança de uns sete anos. Esclareço que festas de crianças eram então um grande acontecimento para nós os pequenos −num Brasil em que praticamente não havia TV. No máximo, em São Paulo, o que chamávamos de televizinho. Os primeiros televisores, aquelas caixas pretas e gordas, importados.  Apagava-se a luz e a garotada toda sentada no chão, boquiaberta e deslumbrada, vendo desenhos da Sessão Zig-Zag.

Sob esse quadro, as festas ganhavam vulto. Aliás, lembro-me, por oportuno, de uma festa infantil fantástica, fui algumas vezes.  Não sei precisamente, era um aniversário, na rua do Lavapés, no Cambuci, numa São Paulo de outros tempos. Cuidava-se de um sobrado alto e sombrio, velho para mim, garoto de uns seis ou sete anos, num terreno em aclive; subia-se uma longa e estreita escada para se chegar até a porta da frente.

No interior, surpresa, bela decoração, bandeirolas e bexigas coloridas, enfeites de figuras infantis nas paredes. Longa mesa de quitutes −além do bolo−, doces deliciosos em profusão: brigadeiros, cajuzinhos, olhos-de-sogra, beijinhos, marias-moles brancas e morenas, doces de coco, quindins, canudinhos, paçoquinhas e outros. Toda criança saía com um kit de brinquedinhos.

É um pouco complicado pescar fatos da infância e revelá-los abertamente. Desde logo se mostra evidente a visão estreita e sincera de uma criança, acrescendo-se o fato de que teve outras testemunhas −portanto peço escusas pelas eventuais distorções. Segundo, como sempre faço e tendo decorrido longo tempo, num lugar e noutro foi preciso remendar a história e, não vou enganar, preencher os vazios. A três, podem dizer que é mentira de cronista, não me intimido, vale a tentativa literária e o humor.

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Mas voltando à festinha padrão da nossa casa, mais modesta, mas não menos animada, foi justamente em um aniversário, sábado com papai em casa, com quem não convivíamos muito. Melhor explicar, trabalhava muito, chegava tarde −para a época é claro, em horário que crianças dormiam cedo, pois não havia TV. Para se entender este relato é preciso ter ideia do que era na ocasião o relacionamento entre pais e filhos. Nada da folga de hoje, havia uma distância respeitosa.

Pois bem, no aniversário, vários tios e tias, avós, amigos e muita criança.  Sei que estava eu com um balão a gás, seguro por uma cordinha, andando empolgado de lá para cá.  De repente, apagou a luz, tudo escuro, algum problema no fusível da caixa de eletricidade. E vai para lá meu pai, seguido por alguns, carregando na mão uma providencial vela acesa para exame do problema. O pequeno que aqui escreve, na sua inocência dos sete anos, foi atrás, seguindo a luz; na mão a tal bexiga suspensa. Não deu outra, o balão encontrou a chama da vela e explodiu, as chamas do gás para todo o lado.

Não é preciso revelar o rebuliço e o pânico. Eu, ileso, mas atarantado, mulheres gritando; papai ficou com o pior, queimou sua cabeça, calcinou seu pouco e já ralo cabelo.  Em virtude disso, ficou com cicatriz e simplesmente de careca iniciante virou daí em diante um careca em grande estilo. Verdade é que a família dele é de carecas precoces. Contudo, para um homem de uns trinta e cinco anos, era simplesmente terrível.

Dá para entender, assim, a sonora bronca em cima de mim. No entanto, me recordo papai lamentar do fato de já estar com pouco cabelo e de sofrer de uma moléstia chamada pelada –só me faltava esta, bufou!  Eu, além de assustado, não entendi naquele momento qual tinha sido a minha culpa. Senti-me injustiçado.  Confesso, porém, que depois passei a achar graça na repetida chacota de um tio espirituoso, referindo-se à calva de meu querido pai: ─ Careca, queimada e pelada!

Eu, nos dias de hoje, já maduro, com dois irmãos ainda com cabelo, me encontro bem careca. Seria leviano e desonroso imaginar algum tipo de maldição proferida por meu pai; digo peremptoriamente que não. Mas aqui, na folga de uma crônica, posso garantir que praga de pai pega!

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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