Diz-se que o morador de um sítio foi visitar o outro, seu compadre, na zona rural da cidade vizinha. E para não perder a pernada, nem a oportunidade de atualizar a prosa, decidiu “bater” um pouso. Dar no pé só no dia seguinte.
Na casa do anfitrião, regalou-se com a mesa farta do café da manhã, almoço e jantar. Em todas as refeições, a comadre serviu abóbora, que ele comeu de lamber os beiços. Na forma de bolo, no guisado de carne com angu e feijão gordo, e na sobremesa em compota.
Bem servido, mas enfastiado com a comilança do legume, à noite, durante animada conversa, e fiando-se na boa relação com o padrinho de sua filha caçula, o visitante aproveitou para cutucar a onça:
–– Compadre, no meu sítio eu também estou colhendo muita abóbora, mas lá eu dou tudo para os porcos.
–– Pois aqui também! –rebateu o anfitrião.
A piada não é nova e nem empresta tanta graça. Mas serve para ilustrar o momento da realidade brasileira, onde a abóbora é só um exemplo de como a comida está custando o olho da cara, em especial para o mais pobre.
Não faz muito tempo, aqui, alguém ofereceu os préstimos de letrista especializado em confeccionar cartazes para supermercados, açougues e outros ramos de atividades comerciais que utilizam esse tipo de publicidade barata –porém eficaz– para alavancar os negócios.
E pus-me a imaginar se o tal conseguiria rapidamente um vínculo, ainda que, pela foto, acompanhante do texto, parecia ser um profissional caprichoso, de boa técnica e habilidade com os pincéis.
Muito utilizado pelo comerciante como chamariz para atrair o cliente e aumentar as vendas, o cartaz, em geral de amarelo vibrante e letras de cores contrastantes, está virando assombração, de tanto que os preços assustam.
Responsável pelas compras de casa, eu sinceramente me surpreendo quando vejo um desses cartazes diante do comércio aonde vou, notadamente quando se trata de produto alimentício.
Quem quiser que chame de oferta; eu chamo de acinte, por constatar que um ano atrás o mesmo produto custava até metade do preço. Mas o negociante não tem culpa. Precisa manter a margem de lucro, garantir o negócio e o emprego dos funcionários.
Se o vilão não é o comerciante, que só repassa o aumento; nem o produtor, que tem lá as intempéries do tempo, paga caro os insumos e tem a tal sazonalidade; o culpado então é o governo, que não desenvolve ações de combate à escalada predatória do bolso do consumidor. De uns tempos para cá, os preços não sobem; saltam, numa ciranda incontrolável.
Noto também que a divulgação dos produtos da forma tradicional, por folhetos em papel, minguou. Era muito bom, pois facilitava comparar os preços. Presumo que os supermercados se valham menos deste meio por causa da pandemia. Preferem a internet. Mas acho que os preços nas nuvens pesam.
A exorbitância fez o próprio presidente da República cair na real e admitir, para assessores e fãs do cercadinho, que teme um revés reeleitoral por causa do que chama de “inflação dos pobres”. Ou, alto custo da comida e dos gêneros de primeira necessidade para a população de baixa renda, cujo exemplo mais gritante é o gás de cozinha.
Quando me encaminhava para arrematar este texto, vi na TV, num dos telejornais, reportagem sobre a carestia da comida. E uma informação em especial me chamou a atenção: o preço do pé de galinha, que teria subido assustadoramente, como de resto, a penosa.
Sem acreditar, fui ao açougue da esquina dar uma de repórter. Nem precisei perguntar. Na porta, um cartaz “assombração” oferecia o quilo do “pezinho” por uma arara, com direito a um beija-flor de troco. Ou seja: quase o dobro do preço que a repórter tinha anunciado –e eu já tinha achado um absurdo.
Quanto ao roceiro do início do texto, que engorda a porcada com abóbora, saiba que de bobo ele não tem nada, viu? O matuto sabe que, depois da carne bovina e do frango, daqui a pouco será a vez da carne de porco apavorar o consumidor. “Quem viver, verá!” –dizia o poeta potiguar/joseense Dailor Varela, amigo dos bons tempos..
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.