Foto / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Situada entre dois viadutos cujas alças, do outro lado, abraçam o Paço Municipal, a Vila Progresso tem duas ruas enormes: a Henrique Dias e a Guararapes, que em tempos remotos eram chamadas pelos moradores de Rua de Baixo e Rua de Cima, respectivamente.

Com a canalização do córrego Lavapés e o surgimento da avenida senador Teotônio Vilela, importante via do Complexo Viário de São José dos Campos, os moradores da Rua de Baixo, cujos terrenos faziam fundo para o curso d’água, foram desapropriados pelo progresso, curiosamente.

No tempo em que se amarrava cachorro com linguiça, eu jogava peladas no campo de futebol ao lado da escola Marechal Rondon, no Monte Castelo, perto da Rua de Cima, onde morava.

Frequente à escola de manhã, aproveitava o recreio para combinar com a molecada o racha à tarde, sob sol ou chuva. Não havia tempo ruim para aquela turma! Depois do almoço a gente fazia a tarefa e ia jogar bola. O campo de terra batida era duro como pau de aroeira. Rolava bola de meia ou borracha. De capotão, uma raridade.

Incansáveis, jogávamos até depois do pôr do sol. E ainda sobrava fôlego para brincar à noite, de soldadinho, salvar, esconder cinta, ou simplesmente desembestar atrás de um balão –que na ocasião já era arriscado, mas, naquela idade e cheios de energia, ninguém se dava conta do perigo.

O campo tinha tamanho oficial. Na parte central e nas zonas do agrião, onde os brucutus eram mais frequentes, nada de grama, que, no entanto, insistia em nascer verdinha nas laterais, menos judiada pelas travas das chuteiras dos jogos oficiais. Ali, a semana inteira a gente corria leve, solta e descalça. Um ou outro usava Conga, moda da Alpargatas para os pés e antecessor do Bamba.

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Aos domingos, missa cedo para, à tarde, torcer pela Portuguesa, do Monte Castelo, que mandava os seus jogos no local. Os embates eram disputadíssimos.

Meu irmão, que depois foi morar em Monteiro Lobato e lá virou prefeito quatro vezes, era o goleiro do time luso. Não sei como, pois a sua compleição física acanhada e atarracada o contraindicava. Vai ver era dono dos uniformes. Seu reserva imediato atendia pela alcunha de Azeitona. Um negro do tipo “guarda-roupa”, morador na Rua de Baixo, mas que, como goleiro, era melhor borracheiro.

Ao fim de algum tempo, meu pai colocou nossas tralhas sobre um caminhão que passou beirando um dos fundos do campo e seguiu pela rua Cantídio Miragaia. Só parou na atual avenida Juscelino Kubitschek de Oliveira, onde fixamos residência.

Ali, cadê campo de futebol? A molecada do vizinho conjunto IAPI tinha um, mas fazia cara feia para os penetras. Por isso, não foi difícil convencer os meninos do Jardim Jussara e da parte de baixo do Monte Castelo que eles precisavam de um campo para chamar de seu.

Pouco mais de um mês depois, dez ou doze, com enxadas, enxadões e ancinhos à mão, limparam, proveram de traves e demarcaram com cal um campinho em área antes baldia. Estava garantida a pelada!

Só tinha um problema. O terreno em aclive facilitava para o time que chutava morro abaixo. Mas e daí se, até hoje, pra descer todo santo ajuda?

Sob sol causticante, não raro o dia terminava com um mergulho nas águas límpidas do córrego Cambuí, para onde a gente seguia em algazarra depois do futebol.

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Apesar de minha perna direita não prestar nem para pegar ônibus, eu era dos primeiros escolhidos após o par ou ímpar. Não sabia a razão nem por quê. Já em outras brincadeiras tendo uma bola como protagonista…

No jogo de gude, não conseguia “matar” as bolinhas adversárias; e no de taco, logo na primeira vez fui reprovado “com louvor”, graças a uma inesquecível imprudência. Ao rebater uma bola usando um inapropriado cabo de vassoura, errei feio. O roliço bateu no chão, quebrou, e fez voar um cavaco sobre um vacilante espectador, que por pouco não teve o olho gravemente ferido. Um trauma. Nunca mais ousei.

Só muito tempo depois reencontrei-me, num espraiado, com a gorduchinha que virou bordão na voz do insuperável narrador esportivo Osmar Santos. Mas essa é outra história que talvez um dia eu conte aqui.

 

> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.

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