Sou uma pessoa chata e utópica que vive a resmungar pelos posts alheios, rodas de conversa e até pelos cantos da casa que a Educação é a única saída para resolver tudo nessa vida. Com ela, é possível reduzir criminalidade, agressões ao meio ambiente, desrespeito às regras de cidadania e, acredito mesmo, até a corrupção.
Esse modo de pensar, essa devoção que tenho pela educação foi alimentado desde cedo pela preocupação da minha mãe que, sem ter tido oportunidade de estudar, insistia que essa era a prioridade que tinha na vida: me fazer estudar.
Nossa família era pobre e simples, mamãe trabalhou como empregada doméstica durante muito tempo e faz questão de lembrar, com orgulho, que rechaçava com rispidez a todos que insistiam que, aos 13 ou 14 anos, eu já poderia ajudar nas contas “olhando crianças”, como se dizia do trabalho de babás antigamente, quando as creches eram mais raras.
Ela se empenhava para me dar um teto e alimento e eu me empenhava com os livros e muito amor aos estudos. Amo aprender, até hoje.
Embora não tenha seguido o sonho dela e me tornado médica, o que me faria trabalhar muito também, mas com uma recompensa financeira melhor, rs… Escolhi o jornalismo e, apesar de não ver dinheiro sobrando, a profissão me rendeu alegrias, o sustento de cada dia e, gosto de acreditar, a cota de respeito merecida por todo profissional dedicado.
Mas nem todo o incentivo de minha mãe, somado ao meu desejo de entender melhor o mundo e ter uma profissão, seria suficiente para transformar nossas vidas se bons professores não existissem.
Eu diria mesmo que todos são bons, mas alguns fazem do ato de ensinar uma missão. Têm um brilho no olhar para motivar seus alunos, inventam formas diferentes de passar conhecimento, parecem ver através das almas de seus pupilos.
Quem não tem um professor inesquecível? Ou vários? Eu guardo três na lembrança e no coração. Por motivos óbvios rs…, a primeira de alfabetização e dois professores de português. A minha paixão pelas palavras vem de longe. Desculpe, mamãe, mas a medicina nunca teve chance.
Vamos a eles, os mestres. Dona Terezinha Nunes, na Escola Estadual Ana Cândida de Barros Molina, no prédio antigo, que hoje é uma escola municipal, foi quem me ensinou a pegar em um lápis e desenhar as primeiras letras, com ajuda da cartilha Caminho Suave.
Para fazer isso ela precisou enfrentar a direção da escola, que recusara minha matrícula porque faltavam algumas semanas para eu completar 7 anos e as salas já estavam completas. Mas só disseram isso quando eu já me encontrava na escola, pronta para o primeiro dia de aula.
Vendo a menininha de blusa branca, saia xadrez com prega na frente e pasta preta nas mãos, abrir o berreiro no pátio porque não queria voltar pra casa, Dona Terezinha se encheu de razão, me pegou pela mão e disse que cabia mais um na sala dela.
Era um tempo em que os mestres eram valorizados, respeitados e eu não faço ideia do que rolou na administração, mas eu fiquei.
Depois mudei de escola várias vezes –quem depende de aluguel mora onde é possível pagar– e em uma dessas mudanças encontrei a Dona Nanci, no Ilga Pusplatais, no Jardim Ismênia, quando já cursava a 6ª série. Professora de português, baixinha, gordinha e com óculos fundo de garrafa que faziam seus olhos parecerem muito grandes e, certamente, fazia com que nos enxergasse por dentro com seu grande coração.
Ela nos fez ler muito. Sabe aquela Coleção Vagalume que se fala por aí até hoje? Lemos quase todos os livros durante os anos em que estudamos com Dona Nanci. Em determinado período, lembro que queria muito ler “Fernão Capelo Gaivota”, do Richard Bach, mas não tinha dinheiro e não estava disponível na biblioteca.
Tendo apenas um exemplar, que usava em algumas aulas, Dona Nanci negociou comigo que fizesse as lições em casa e usasse as aulas dela para ler o livro. E assim foi feito. Enquanto a aula rolava eu aprendia junto com Fernão a não me conformar com destinos pré-traçados. O voo daquela gaivota segue impresso em mim até hoje.
Ainda tenho muitos amigos daquela época do ensino fundamental e todos se lembram com carinho de Dona Nanci. Vários têm alguma história com ela pra contar.
Para o colegial –como o ensino médio era chamado–, eu voltei para o Ana Cândida, na Vila Industrial. E tive que prestar “vestibulinho”, uma seleção que era feita porque, pelo que me lembro, não havia vagas para todos os aspirantes. Sim, um absurdo, mas…
Meu nome ocupou o primeiro lugar da lista do tal vestibulinho. E a minha recompensa maior não foi a vaga, mas sim ver Dona Terezinha Nunes saltitando no pátio e dizendo para quem quisesse ouvir:
— Eu ensinei a Maria D´Arc a pegar no lápis. Eu alfabetizei essa menina.
Foi durante o colegial que outro professor fez história na minha vida. O professor José Vicente Miranda, de português, claro. A seriedade da barba cerrada era quebrada pelo sorriso fácil e a bolsa de couro a tiracolo. Tinha paciência de Jó com adolescentes e gostava de nos fazer escrever. A certa altura, promoveu um concurso de crônicas, patrocinado pela papelaria Dartec, que prometia um prêmio em produtos.
Eu ganhei o concurso e a certeza de que meu caminho na vida era escrever.
Mas essas são apenas as minhas pequenas histórias. Os professores seguem por aí, como anjos guerreiros em busca de recrutas dispostos a abraçar suas vocações. Em lugar de espadas têm o olhar afiado para perceber quem está pronto para a luta e quem precisa ser arrastado, porque desistir não é opção.
A educação é a única saída. O motivo pelo qual as passeatas deveriam ser promovidas, em prol da melhoria de toda a infraestrutura, da remuneração dos professores, da alimentação nas escolas, das aulas em tempo integral em todos os cantos do país.
Parafraseando o apóstolo Lucas, se buscarmos primeiro a educação, tudo o mais nos será acrescentado. A vocês, professores queridos, todo meu respeito e gratidão.
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.