Ilustração / Firentis/Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Temos presenciado recentemente vários casos de racismo e injúria racial. Você sabe a diferença entre os dois crimes, diferentemente tipificados?

De início devemos lembrar que não se trata de uma novidade, mas é fato que registros policiais dos casos têm crescido nos últimos anos e quadruplicaram entre 2018 e 2021: de 1.429 para 6.003 ocorrências. No ano passado houve uma alta de 31% em relação a 2020, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Segundo juristas e pesquisadores, o aumento de casos relatados tem várias origens, como mais pessoas cientes de serem vítimas de crime; maior entendimento sobre a lei por parte das polícias e o aumento dos discursos de ódio e intolerância (incluindo a racial) nos últimos quatro anos.

Há racismo apenas contra a população negra?

Tecnicamente, não. A lei 7.716/89, conhecida como Lei do Racismo, “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, mas já em seu art. 1º prevê expressamente que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, ou seja, haverá o crime se houver preconceito ou discriminação, na forma da lei, em qualquer atitude neste sentido contra pretos, brancos, amarelos, mestiços, indígenas, estrangeiros (xenofobismo), judeus, muçulmanos, candomblecistas e por ai vai.

Apesar da introdução abaixo, o objetivo do artigo é diferenciar as condutas criminosas e não fazer uma análise histórico-sociológica sobre a questão, de suma importância sempre.

Conceitos de raça e cor

No Brasil, conforme convencionado pelo (e com dados) IBGE, há uma classificação de cor/etnia contendo os grupos: branco, preto, pardo, amarelo e indígena.

O termo “raça” deveria ser usado apenas em termos biológicos, sendo possível falar de uma raça, a raça humana. Entretanto, a palavra raça, quando aplicada aos seres humanos, remete à classificação das pessoas (por características fenotípicas, de origem ou imputadas) e, no Brasil, é orientada por categorização por meio da cor, com destaque às modificações mundiais do século XIX, com a criação das teorias do “racismo científico”.

Elas são baseadas na ideia de existirem diferenças biológicas entre os seres humanos, diferentes raças humanas e uma hierarquia entre elas, com base no suposto critério de mais proximidade da razão e civilidade, classificando as raças em: 1) brancos – europeus; 2) amarelos – asiáticos; 3) vermelhos – americanos e 4) australianos e negros – africanos. Esses conceitos cresceram, atingindo o ápice ao término da II Guerra Mundial.

A classificação cotidiana e sistemática por raça/cor é social, os grupos de cor e os indivíduos pertencentes a eles têm diferentes acessos a bens materiais e/ou simbólicos, sendo uma construção social que carece de fundamentos biológicos e científicos, mas que se tornou efetiva para a categorização das pessoas em determinados contextos e expectativas, pautas de comportamentos e definição de espaços sociais.

O processo de tratar determinado grupo de raça/cor, ou seja, social, como inferior, nega ou dificulta sistematicamente o acesso a bens materiais ou simbólicos, fazendo com que raça/cor, mesmo não existindo como diferença biológica, torne-se plena de existência social.

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Preconceito e racismo estrutural

De fato, em nosso país há preconceito/discriminação/racismo contra aqueles de cor preta, em muito maior número, embora haja da mesma forma contra outros grupos e minorias, como visto. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública destacou a proporção de pessoas negras mortas pelas polícias no Brasil.

Em 2021, 6.145 indivíduos foram assassinados por forças de segurança, sendo que 84,1% das vítimas eram pretas. Em 2020, essa taxa foi de 78,9%. É o resultado de históricas políticas públicas falhas na inclusão social, déficit no ensino de base, falta de oportunidades e, acima de quase tudo, o chamado racismo estrutural, termo usado para reforçar o fato de que existem sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia (e por outro lado discrimina) algumas raças em detrimento das outras, a partir da categorização de raça e da mesma forma social por meio da cor, como apontado anteriormente. Corroborando esta realidade, enquanto a maior parte da população é negra (54%), quase todos (96%) os parlamentares são brancos.

O racismo estrutural é integrado ou caminha ao lado por/de outros tipos, como o racismo institucional, medidas do Estado, de uma empresa ou outros tipos de organização, como por exemplo o regime nazista na Alemanha, que resultou no assassinato de milhões de judeus pelo Estado (Holocausto), e a segregação racial nos Estados Unidos e na África do Sul (Apartheid).

O racismo cultural propriamente dito, sustenta a ideia de que uma cultura é superior a outra, alcançando tradições, costumes, língua, entre outros. E o racismo individual é a discriminação direcionada a uma pessoa especificamente, em uma determinada situação, devido a sua cor ou etnia. São agressões como insultos racistas, utilização de estereótipos, exclusão em ambientes escolares ou de trabalho, um tipo que encontramos no dia a dia com mais facilidade, infelizmente, como o caso a seguir.

Um exemplo de caso recente

São tantos os casos, recentes ou não, que vamos citar um para entendermos a diferença entre racismo e injúria racial.

Em outubro passado, o humorista e digital influencer Eddy Junior foi agredido verbalmente por uma vizinha aposentada, Elisabeth Morrone, que é branca, que o chamou de “macaco, imundo, feio, urubu e neguinho perigoso”. Elisabeth ainda o acusou de invasão, roubo e se recusou a entrar no mesmo elevador que ele. A aposentada é alvo de uma investigação na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), após registro da ocorrência pela vítima.

De imediato, muitas pessoas e a própria imprensa falam de racismo e injúria racial, mas preponderantemente racismo. Essa confusão existe nos casos de crimes contra a honra: injúria, calúnia e difamação. Mistura-se tudo. Embora o inconformismo possa ser expressado com o uso de ambos os crimes, devemos diferenciar racismo e injúria racial, como forma educativa jurídico-social e para proteção de direitos.

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Racismo, injúria racial e preconceito racial

Em resumo, racismo atinge uma coletividade e injúria racial o indivíduo isoladamente considerado, sua honra subjetiva.

Racismo

Racismo é um crime tipificado pela lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, como já falado. Racismo, que engloba, portanto, o conceito de discriminação e de preconceito racial, atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. O crime de racismo é inafiançável (não permite soltura sob pagamento pecuniário) e imprescritível (o crime pode ser punível após longo tempo de sua execução, a qualquer tempo, ao contrário do que era previsto para injúria racial). Entretanto, O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em outubro de 2021 que o crime de injúria racial é espécie do gênero racismo. Portanto, é imprescritível e inafiançável também, conforme o artigo 5º, XLII, da Constituição.

No crime de racismo, há proteção de toda uma coletividade. Por exemplo, determinando-se que pessoas de cor preta utilizem elevador de serviço em determinado prédio. A lei mostra expressamente vários casos específicos, como:

– Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos. (art. 3º Pena: reclusão de dois a cinco anos), quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional;

– Negar ou obstar emprego em empresa privada (art. 4º Pena: reclusão de dois a cinco anos), assim como deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário; e quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências;

– Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador (art. 5º Pena: reclusão de um a três anos);

– Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau (art. 6º Pena: reclusão de três a cinco anos;

– Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar (art. 7º Pena: reclusão de três a cinco anos);

– Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público (art. 8º Pena: reclusão de um a três anos;

– Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões ou clubes sociais abertos ao público (art. 9º. Pena: reclusão de um a três anos);

– Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades (art. 10º. Pena: reclusão de um a três anos);

– Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos (art. 11. Pena: reclusão de um a três anos);

– Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido (art. 12. Pena: reclusão de um a três anos);

– Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas (art. 13. Pena: reclusão de dois a quatro anos);

– Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social (art. 14. Pena: reclusão de dois a quatro anos).

Injúria racial

Já a injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Protege a honra subjetiva individual, o que ela sente em relação a ela mesma.

Injuriar é ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima. Exemplo clássico é chamar uma pessoa da cor preta de “macaco”.

Tanto no crime de racismo quanto no de injúria racial, o juiz pode determinar medidas cautelares, como manter distância mínima do ofendido ou não frequentar os mesmos lugares.

No caso do humorista e digital influencer Eddy Junior, a conduta da ofensora estaria enquadrada no crime de injúria racial (“macaco, imundo, feio, urubu e neguinho perigoso”) e calúnia (se acusou objetivamente de invasão e roubo). Racismo dependeria da análise da recusa de entrar no mesmo elevador que o humorista.

Este importante assunto deve continuar a ser debatido e combatido em seus crimes, racismo ou injúria, com adição da análise dos conceitos de racismo reverso, quotas raciais e homofobia como racismo, entre outros, que ficarão para outra oportunidade.

De resto, fica a lição: a sociedade deve sempre lutar pelos princípios e conceitos constitucionais defendidos por esta coluna, como igualdade, dignidade da pessoa humana, direitos e garantias individuais e na forma coletiva, entre outros, com sentimentos de solidariedade e amor ao próximo, não importando sua origem, cor, classe social, idade, orientação sexual ou religiosa.

 

> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.

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