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Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Viviane Mosé

 

Mergulhar a palavra suja em água sanitária,

Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia.

Algumas palavras quando alvejadas ao sol

adquirem consistência de certeza,

por exemplo a palavra vida.

 

Existem outras e a palavra amor é uma delas

que são muito encardidas e desgastadas pelo uso,

o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra,

depois enxaguar em água corrente.

 

São poucas as que ainda permanecem sujas

depois de submetidas a esses cuidados

mas existem aquelas.

Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada.

Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão.

 

Mas nunca vi palavra tão suja

como a palavra perda.

Perda e morte na medida em que são alvejadas,

soltam um líquido corrosivo

–que atende pelo nome de amargura–

capaz de esvaziar o vigor da língua.

 

Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho

em um amaciante de boa qualidade.

Agora se o que você quer

é somente aliviar as palavras do uso diário,

pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar.

 

O perigo aqui é misturar palavras que mancham

no contato umas com as outras.

A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra

e deve ser sempre clareada sozinha.

 

Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo,

já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva,

pode, o que não é inevitável,

esgarçar a força delicada da palavra amizade.

 

Já a palavra força cai bem em qualquer mistura.

Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras

sob o risco de perderem o sentido.

 

A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva

produz uma oleosidade que conserva a cor

e a intensidade dos sons.

 

Muito valioso na arte de lavar palavras

é saber reconhecer uma palavra limpa.

 

Para isso conviva com a palavra durante alguns dias.

Deixe que se misture em seus gestos

que passeie pelas expressões dos seus sentidos.

À noite, permita que se deite,

não a seu lado, mas sobre seu corpo.

 

Enquanto você dorme

a palavra plantada em sua carne

prolifera em toda sua possibilidade.

 

Se puder suportar a convivência

até não mais perceber a presença dela,

então você tem uma palavra limpa.

 

Uma palavra limpa é uma palavra possível.

 

Viviane Mosé é poetisa, filósofa, psicóloga, psicanalista e especialista em elaboração e implementação de políticas públicas. Mestre e doutora em filosofia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nasceu em 16 de janeiro de 1964, em Vitória (ES). Fonte: Wikipédia

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> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.

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