Em meio ao turbilhão de dúvidas que essa malfadada pandemia nos trouxe, eu saí da cama nesta segunda-feira, dia 14 de junho, com uma certeza: chegou meu dia de tomar vacina contra o coronavírus.
Na fila, composta em sua maioria pelas chamadas pessoas de “meia idade”, como eu, fiquei quietinha –coisa rara–, ouvindo as conversas.
Um rapaz fora da faixa etária do dia, mas com alguma comorbidade, contava aos companheiros de fila que perdera um mês de trabalho, lutando contra a doença. E pior, sua cunhada, aos 35 anos, morreu semana passada, de Covid-19, claro.
Um senhor, à frente do rapaz, emendou sua história contando que a esposa sofreu por vários dias, mas venceu. Nessas conversas, o medo estava presente na entonação das palavras. Deixando claro o motivo pelo qual aquelas pessoas estavam ali. Querem viver.
Havia clima de brincadeira também, entre homens principalmente. –– E aí, já tomou?–, gritou um gaiato para um conhecido que saía do posto. A resposta foi: Já, duas vezes –e gargalhou sua felicidade, explicando em seguida que tem “pressão alta”.
Alguns homens exibiam o cenho franzido acima da máscara; constrangidos e pouco à vontade no ambiente da UBS, que, claramente, não costumam frequentar, embora devessem.
A ansiedade era outro sentimento que podia ser percebido na expressão das pessoas, que aguardavam a vez de preencher a carteirinha, meio amontoadas na fila.
Pois é, meio amontoadas. Não por falta de espaço, ou de sinalização de solo, mas por mal costume mesmo. Como se ficar dois passos mais colado à pessoa da frente fizesse a vez de tomar vacina chegar mais rápido.
Foi mais rápido desenvolver vacina contra um vírus mutante do que ensinar seres humanos a usar máscara e manter distanciamento social.
A data tão aguardada que vivi, só não é melhor e mais comemorada porque não esqueço as pessoas que partiram de nossas vidas sem ter essa oportunidade. Apenas entre amigos queridos e familiares foram nove pessoas do meu círculo.
Nove pessoas que integram a estatística desoladora de 487 mil vidas perdidas, até agora.
Nove pessoas que não podem comemorar comigo a picada redentora, que chega para tantos, e, apesar da resistência e maluquice de alguns em não tomar, é o caminho para nos devolver a liberdade de confraternização.
Por tantos que se foram sem ter a chance da vacina e pelo trabalho incansável e corajoso dos cientistas, profissionais de saúde e voluntários para os testes, penso que temos o dever moral de valorizar cada minuto de existência alcançado a partir da imunização.
Que possamos em breve dar nossas mãos nos templos –seja qual for o credo– e agradecer juntos o dom da vida. Vai passar!
> Maria D’Arc Hoyer é jornalista (MTb nº 23.310) há 28 anos, pós-graduada em Comunicação Empresarial. Mora na região sudeste de São José dos Campos. É autora do blog recortesurbanos.com.br.