Tom, morador da Vila Letônia/SJC. (Rita de Almeida)

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Meu primeiro cachorro –meu mesmo, adquirido por mim na fase adulta– foi um poodle branco que acabou ficando muito conhecido na região da Vila Adyana, porque passava o dia inteiro na vitrine da loja que eu gerenciava. O nome dele era Kinder, exatamente como o do chocolate, e foi batizado pelo meu marido, que não gostou nada da surpresa quando chegou em casa.

O Kinder adorava ficar naquela vitrine, e por se tratar de uma loja de decoração, muitas pessoas pensavam que ele era um enfeite, e até se assustavam quando ele se mexia, o que rendia muitas risadas, dentro e fora da loja.

A verdade é que esse cachorro era muito procurado para cruzar e eu acreditava que era pelo fato dele ser muito bonzinho, quietinho e –sou suspeita– muito lindo. Até que uma vez aconteceu algo muito estranho, para dizer o mínimo.

Uma pessoa entrou na loja e, depois de muito conversar e fazer montes de elogios ao Kinder –do tipo: ele é tão branquinho, tão lindo, esse pelo dele é demais de lindo– perguntou se a cachorrinha dela poderia cruzar com ele. Pensei um pouco e acabei consentindo, afinal a pessoa estava tão empolgada…

Os dois cachorros cruzaram e, para quem não sabe, existe um acordo em que o tutor do macho fica com um filhote e o tutor da fêmea fica com os demais, não importando a quantidade de filhotes que possam nascer.

Assim que nasceram –se não me engano foram cinco cachorrinhos– a pessoa me chamou até a sua casa para que escolhesse o meu filhote, mas para a minha surpresa, fui recebida com cinco pedras na mão sob a acusação de tê-la enganado.

Sem entender direito do que ela estava falando e ao mesmo tempo encantada com aquelas bolotas de pelos ambulantes, a pessoa me solta essa pérola: eu fui atrás do seu cachorro porque ele é branquinho e a minha cachorra é preta, mas olha só isso, nasceu tudo preto, com certeza o seu cachorro não é branco puro.

Dito isso, pediu para eu escolher o meu filhote e saiu do ambiente, sem se despedir, me deixando na companhia de outra pessoa que parecia também não estar gostando nada daquela situação. Enfim, indignada, embasbacada, atordoada (todos os adas…), me restou escolher o filhote e sair.

Os menos procurados

Mas eu comecei contando essa história para falar sobre algo que, infelizmente, parece estar entranhado na maioria das pessoas: o preconceito de cor que as pessoas também têm em relação aos animais. E claro que digo também, porque ele existe entre nós, seres humanos, então não seria nenhuma novidade que cachorros e gatos pretos também sofressem com isso e, portanto, com chances mínimas de serem adotados ou até mesmo comprados.

Um dos pontos para não se ter um animal de estimação preto em tempos de redes sociais, acredite, é porque eles não fotografam bem, não ficam bem na foto e não ganham likes. Veja só a que ponto chegamos. E é algo que não procede, visto que as fotos dessa coluna mostram exatamente o contrário.

Existe também aqueles que acham que os cachorros da cor preta são mais agressivos e que os gatos pretos –seguindo a ignorância da coisa– dão azar.

Isso tudo faz com que esses animais, caso estejam em um abrigo, sejam os últimos a serem adotados –quando isso acontece– e também os últimos a serem escolhidos para compra.

Nem sendo de raça

Há uns três anos, em um pet shop que ficava perto da minha casa, havia um filhote da raça shitzu, pretinho, lindo, sendo vendido. Ele ficava o dia todo numa espécie de caixa de vidro, em exposição. Eu o vi uma vez e depois, quando passava por lá, mudava de calçada, porque me tocava profundamente ver aquele cachorrinho à espera de alguém.

Só que os meses foram passando e aquele cachorro não saia daquela pequena vitrine, até que um dia resolvi entrar e perguntar o porquê dele estar lá há tanto tempo. A atendente simplesmente me respondeu: porque ele é preto. E complementou: e olha que a gente já até abaixou o preço pra ver se vende mais rápido.

Seis meses e aquele cachorro de raça, pequenininho, mas preto, ficou à espera de alguém que o quisesse. Agora imagina a situação dos cachorros sem raça, pretos que podem ficar com porte grande à espera de alguém nos abrigos?

Os protetores de animais são unânimes ao afirmar que os cachorros pretos são os menos procurados para adoção. E mesmo aquelas pessoas que querem um cachorrinho pequeno, quando são apresentadas a um cachorrinho desse porte, mas preto, já fazem cara de “não era bem isso o que eu queria”.

Escura e pesada

Os gatos pretos então, sofrem ainda mais preconceito. Além de serem diretamente relacionados ao azar (coisa mais absurda), esses bichanos passam por situações inacreditáveis.

Os protetores redobram a atenção próximo ao mês de outubro (mês das bruxas), e quando o dia 13 cai numa sexta-feira, porque os gatos pretos são muito procurados nessas datas para adoção, porém para serem sacrificados. É isso mesmo que você leu, para serem sacrificados em rituais religiosos. E por mais que eu tente entender e respeitar a cultura de determinadas religiões, não há como aceitar a morte de animais em sacrifício.

E esse preconceito com cães e gatos pretos não é só aqui que acontece. Nos Estados Unidos, por exemplo, os abrigos nem perdem tempo esperando adotantes para cachorros e gatos pretos. Esses animais são os primeiros a serem “colocados para dormir”, forma que eles usam para “eutanasiar”, matar com injeções letais os cães que demoram para ser adotados.

O preconceito por lá é tão grande que a pessoa que está com depressão, o transtorno psiquiátrico, diz que está com o “grande cão negro”. E se a gente pesquisar um pouco vai descobrir que esse eufemismo foi criado por Winston Churchill, um dos políticos mais influentes da Inglaterra, no início do século XX, que chamava a sua depressão de cão negro.

Mas, pensando bem, se ainda existem pessoas neste século supertecnológico que acreditam que seres humanos negros são inferiores a seres humanos brancos, que os negros são menos inteligentes, menos capazes e mais propensos a uma vida de erros, não seria diferente com os animais de pelos pretos.

A meu ver, entretanto, escura –escura mesmo– é essa santa ignorância dos preconceituosos e racistas. Escura e pesada também, a tal ponto, que se fosse possível vê-la e senti-la, com certeza essas pessoas se curvariam de medo e vergonha.

E para provar que esses animais pretos são simplesmente maravilhosos, deliciem-se com essa coletânea de fotos de cães e gatos enviados por amigos leves e iluminados.

Diana, moradora do bairro Capuava/SJC. (Marianna Reis)
Nino, morador da Vila Adyana/SJC. (Fatima Maia)
Julieta, moradora da Vila Ema/SJC. (Jéssica Natal)
Lola Maria, moradora do Jardim das Indústrias/SJC. (Denise Santos)
Jeremias e Marco Antonio, moradores da Vila Letônia/SJC. (Rita de Almeida)

 

> Edna Petri é jornalista (MTb nº 13.654) há 39 anos e pós-graduada em Comunicação e Marketing. Mora na Vila Ema há 20 anos, ama os animais e adora falar sobre eles.