Era em São José dos Campos, naquele ano de 1966, Cassiano Ricardo ainda estava vivo, mas seu vizinho não mais tocava flauta. Aqui em São José quem tocava era o Biriba Boys, o Cid Cesar, o Caçula, o Edson Melo, nós dançando nos bailes do H13 do CTA, do Tênis Clube e da Associação.
Eu descia a Rua XV de Novembro, ingênuo e feliz, sem ligar para a política conturbada da cidade, para realizar meu trabalho de cadastro para o banco do Pierino Rossi. De manhã tinha ido às aulas do curso clássico no Instituto de Educação João Cursino, na Praça Afonso Pena, dos saudosos e queridos mestres Luiz Gonzaga, Padre Stefano, Moacir, Janú, Dona Zélia.
Passei pela banca de revistas do Vicente Sciamarella, ali no começo da Rua XV, ao lado do escritório da Light do Israel Coppio. Tomei um cafezinho no Restaurante Santa Helena e fui à loja Capri Magazine, do Elio Del Chiaro, encontrando o gerente Betinho, irmão do Veri (hoje da Vinac) e do Carlinhos, da loja Elite Calçados.
Percorri algumas lojas e, completada minha cota, fui à Radiolar procurar um LP de bossa nova, passando pelo famoso banco do Jardim da Preguiça (Praça Cônego Lima), ali reunida a juventude sob a batuta do Aquiles. Toda turma conhecida, Betão Santos Pinto, Toninho Peneluppi, Rubinho Zequié, Bastião Jacaré, Edward Simões, Ernesto Nieri, Leopoldo Rossi.
Outros tempos… muita gente ainda morava no Centro velho, na praça não tinha nem ambulantes, nem pedintes, podia-se sentar nos bancos, admirar as imensas árvores e as preguiças que davam o nome popular ao local.
Murilo César Soares, José Vitório de Fatia, eu e outros do clássico do João Cursino havíamos criado o Movimento Cultural da Juventude, nos moldes da Juventude Musical de São Paulo. Antes mesmo do Conselho Municipal de Cultura, de 1968, que veio dar uma guinada no cenário cultural da cidade, culminando na atual Fundação Cultural Cassiano Ricardo. O Movimento não foi muito longe, sem recursos, mas deve ter contribuído para incentivar a criação da Semana Cassiano Ricardo, no ano seguinte de 1967, sob a batuta de Luiz Gonzaga Guimarães Pinheiro e Roberto Wagner de Almeida.
Era uma época mais romântica, de serenatas. Havia ainda o footing do domingo na Rua XV, os habitantes todos se conheciam, os comerciantes eram notórios. Valia a pena comer um pedaço de pizza no Santa Helena, um pastel ao lado da Drogasil, na mesma Rua XV, onde se apreciava um chocolate de primeira na bombonière.
Podia-se andar livremente pelas ruas, mesmo à noite, sem medo de assaltos, vivíamos um país ainda ingênuo, havia música no ar, em que pese o regime político fechado.
Fechada, mesmo, era a tia Filoca, sempre pessimista e rabugenta:
– Que romantismo, que nada! Com essa ditatura aí dos militares, vocês ainda vão ver que dureza! E você, Zezinho, acorda, nada dessa zabumba, violão e serenata. Você pensa no que vai ser na vida, bendito?
Pensei, tia…
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.