− Zé Roberto, eu vou pra São José dos Campos amanhã cedo. Você quer vir comigo, filho?
Era meu pai, em curso o ano de 1962, mês de julho, férias, seria uma maneira de preencher o meu tempo, pois seria tedioso ficar em São Paulo, onde morávamos.
Na realidade, nos meus inexperientes quatorze anos, ao final de 1961, quando ouvi pela primeira vez o nome desta cidade, fiquei perplexo. Sabia da existência de Taubaté, Pindamonhangaba, Campos do Jordão, mas São José dos Campos nunca ouvi.
Guardadas as devidas proporções dessa tenra idade, a verdade é que a nossa São José, à qual viemos morar só em janeiro de 1964, não era, digamos, uma grande cidade, talvez média, senão pequena. Era pacata, tinha lá seus oitenta mil habitantes, concorrendo com Taubaté, que depois ultrapassaria e em muito. Porém, já bem esboçada a industrialização e principalmente essa vocação tecnológica: o ITA, o CTA.
Tinha lá o seu sotaque, o footing, as brincadeiras dançantes, seu ar interiorano. Para mim, cativantes, mas ainda modesta.
O que impressionava era o ITA, Instituto Tecnológico de Aeronáutica −escola superior, de eletrônica, aeronáutica e infraestrutura de aeroportos− que já tinha fama em todo o Brasil. Situava-se no interior do CTA, Centro Técnico Aeroespacial (hoje DCTA), que foi iniciado no final dos anos quarenta, por uma visão formidável do Brigadeiro Casemiro Montenegro. O ITA era um curso superior de excelência, fora dos padrões do país –e ainda é– contando com professores estrangeiros escolhidos a dedo, formando formidáveis engenheiros, todos com empregos imediatos.
Ainda hoje tem sido considerado o melhor curso superior do Brasil, o de eletrônica. Do ITA saíram esplêndidos profissionais, como o notório Ozires Silva, um dos criadores da produtiva Embraer, surpreendente indústria de aviões, deste país, mas que conseguiu prestígio internacional, e o Fernando Mendonça, genial e visionário criador do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a antiga CNAE, que conhecíamos naqueles anos iniciais da década de 1960.
O próprio CTA −hoje DCTA (Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial)– daqueles anos, que abrigava o ITA, mas tinha abrangência de toda a pesquisa na área, com os seus institutos. O CTA marcou São José pela sua presença modernizante. Lá moravam estudantes, os iteanos −sempre em conflito com os jovens da cidade, ao menos no início− bem como professores de alto gabarito, funcionários categorizados, pesquisadores e, como não poderia deixar de ser, os militares da Aeronáutica.
Vivia-se na época o regime militar autoritário e os militares tinham obviamente alto prestígio –muitos merecidamente– e mandavam. Apresentar-se como capitão da Aeronáutica já impunha respeito, que dirá de um coronel? A importância dos militares era tanta que um coronel da reserva da Aeronáutica foi nomeado prefeito do município: Sérgio Sobral. Esta era estância hidromineral e, por isso, teria seus prefeitos nomeados pelo governador do estado.
Diziam os jocosos que assim se denominava São José dos Campos como estância hidromineral em virtude de ter muita água por baixo e muitos mineiros por cima. Sem ofensa, pelo menos os mineiros vieram enriquecer a cidade, não se podendo dizer o mesmo dessa água mineral, a Fonte Canindu, lá do Alto da Ponte.
São José vivia em torno das indústrias multinacionais pioneiras, a primeira a Cia. Rhodosá de Rayon (Rhodia), depois a GM, a Ericsson, a Johnson, a Bendix (depois Bundy Tubing), na sequência a Eaton, a Kodak, a Panasonic, entre outras, e principalmente a Embraer, esta, então de economia mista.
No entanto, a marca de São José dos Campos era o CTA, como ainda é, com seus moradores, um lugar encantador de se morar e trabalhar, com arquitetura de Oscar Niemeyer, urbanismo de Lúcio Costa, lembrando uma Brasília sem políticos.
Curioso foi quando construíram aquele portal de entrada, que o povo chama de guarita (ou gurita). Algum técnico se esqueceu de que os ônibus tinham de passar por baixo. Não deu outra, o ônibus urbano que seguia garboso pela primeira vez ao CTA ficou entalado no teto do portal, ninguém entrava, ninguém saía, ninguém resolvia. Até que um passante, dizem as más línguas, deu a seguinte sugestão:
− Esvaziem os pneus do ônibus e tirem ele de lá!
Tiraram e depois tiveram de fazer passagens laterais, que ainda hoje podem ser vistas.
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.
*Republicação. Crônica publicada originalmente no SuperBairro no dia 3 de agosto de 2022.