Entrei no consultório do dentista, em 1967, desesperado com uma dor de dente lancinante. Havia descuidado e agora não tinha mais jeito: era arrancar. Tinha entrado antes em outro consultório e a secretária foi logo avisando: estamos sem anestesia.
Enfim, encontrei outro, devidamente aparelhado. A dor era tanta que me ajoelhei −não minto− diante de um grande coração de Jesus que havia na parede da sala de espera, sob o olhar espantado da atendente. O dentista estava atendendo outro paciente e eu não aguentando de dor. Foi tanta, que me impeliu, literalmente, a invadir o seu gabinete, dizendo aflito:
─ Doutor, pelo amor de Deus, eu não aguento mais de dor –o dentista, atônito; o paciente na cadeira levantou-se de imediato, condoído certamente com o meu desespero, cedendo o lugar. Foi uma injeção e o alívio dos anjos, arrancou-se o dente e eu fui embora feliz da vida. Com trinta e um dentes ainda!
No ano de 1964, quando aqui aportamos, vindos de São Paulo, era bom o panorama de cirurgiões dentistas em São José dos Campos. Havia a funcionar, criada em 1954 e primeira aula em 1960, uma Faculdade de Odontologia (e Farmácia, nunca instalada), pertencente ao Estado, em seguida ligada à Unesp. Naquele ano já tinha uma turma de pioneiros, formada em 1963, em pleno exercício.
O quadro até então era exíguo, para uma cidade ainda pequena, contudo já a demonstrar sua vocação para o crescimento, tendo o ITA, o CTA (DCTA) e algumas grandes multinacionais, vindas na esteira, como a Cia. Rhodosá de Rayon, Ericsson, General Motors, Alpargatas, Bendix e Johnson & Johnson.
Dentistas existiam, como os doutores Lauro Scarpa, Caio Nelson de Almeida e os irmãos Macedo −Heraldo e Chico; também o conhecido Palmeira, o povo antigo lembra. Clinicavam o Hed de Arruda Camargo, Hermógenes Bicudo e o conhecido Oscar Strauss, além do popular Roberto Nicodemo. Não se pode esquecer o craque de basquete, dentista e professor: Gerson Munhoz dos Santos. Um bom desenvolvimento nessa área, com oferta de muito mais dentistas, ano após ano, foi o resultado dessa Faculdade de Odontologia (FOFSJC).
O primeiro diretor foi o ilustre professor Cervantes Passos da Silva Jardim, figura de proa da USP, na companhia de outros tantos e provectos professores: Alberto Sansiviero, José Bonifácio Fonseca, Jesus Pan Chacon, Dario José Mori Romano, Oswaldo Martins Toledo, além do citado Gerson Munhoz.
Da primeira turma, lembro-me do Alfredo Pereira Neto, o Dico, excelente cantor, que em seguida, como outros, se tornou professor-assistente da própria faculdade, após, professor-doutor. Foi seguido por José Roberto de Oliveira e Silva, Wilson Galvão Naressi, também bom baterista (Ritmos OK), Pedro Manoel Cerdeira Dellias, José Benedito de Mello, o Zé Dito, Luiz Fernando de Almeida Candelária.
Outros pioneiros que me vêm à memória: Maria Enid Goffi Araújo, depois Guisard, Oswaldo Xavier Ribeiro, Sérgio Maia Ramos, Fábio Aurélio de Almeida, Paulo José Simão, Nicolau Diacov, Edmundo Medici, Heddy Liberato Coppio. Funcionou a faculdade, até 1965, no prédio do antigo Grupo Escolar Olímpio Catão.
Já na segunda turma, de 1964, formou-se o craque do basquete da seleção brasileira, anos depois prefeito, que justamente havia deixado de se formar na primeira turma em vista de jogos do Brasil no exterior: Pedro Yves Simão. Também na segunda turma, o professor Celson Manfredini, além do ulterior e brilhante vereador Francisco Andreolli; o mesmo se diga de Moysés da Costa Oliveira. Nessa turma: Paulo Rodolfo Locatelli Fonseca, Manoel Gonçalves Brito Junior, Renato Paulo Chopard e Ruy Benedito de Oliveira. Na terceira, de 1965, lembro-me do Carlos Sebe Petreluzzi, vereador posteriormente; na quarta, Álvaro Vantine e Heiji Shinozaki.
Atualmente São José dos Campos dispõe de inúmeros e bons dentistas, em diversas especialidades, sendo referência na região. Tem até mais faculdades de odontologia, como a da Univap. A tecnologia tornou menos doloroso o tratamento dentário, como a utilização do gás hilariante (óxido nitroso), aquele que tem efeito sedativo e acalma o paciente, se prestando a pessoas com excessivo medo de injeção e do motor.
Para mim não provoca espanto. Acredite, se puder −na adolescência, no final da década de 1950 em São Paulo, fui tratado com um dentista que aplicava hipnose. Sim, hipnotizava e não aplicava anestesia. Eu, sinceramente, achava não ter sido hipnotizado, mas não é que não doía nada?
Pois é, bobeei em São José dos Campos e tive de implorar a Deus por uma anestesia. Coisas da vida.
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.