Vista do Banhado em data não especificada. Foto / i.pinimg.com/Reprodução

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

− Está fora de esquadro, rapaz! Você está limando errado! Vou lhe mostrar mais uma vez o movimento certo da lima para a peça não ficar abaulada.

Era o bendito professor na oficina da então excelente Etep, no curso de ajustador mecânico −colegial técnico− naquele início de 1966.  Eu já estava quase sentando a lima na cabeça do instrutor, na minha bravura juvenil! Fiquei bem irritado por nunca fazer direito a limagem da peça para a confecção de um martelo e o estafermo no meu ouvido. Porém, eu não tinha talento para isso.

Certo dia, diatribes à parte, estava sentado no chão junto à porta do galpão de oficina, num intervalo, com o colega José Roberto de Freitas –filho do médico antigo Maurício de Freitas− quando de repente na conversa resolvemos, insatisfeitos, deixar a Etep e ir para a escola João Cursino. Ele para fazer o Científico −virou depois engenheiro civil pela Univap; eu, para o Clássico −cursei Direito, tornando-me advogado e depois juiz de direito.

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Aquele momento foi decisivo na minha vida, amadurecimento imediato, passando de aluno sofrível a bom aluno no Clássico e no Direito. Identifiquei-me com as matérias, história, filosofia e literatura principalmente, iniciando-me nessa leitura –já era leitor voraz desde a infância. Mergulhei na literatura brasileira pelas mãos do professor Luiz Gonzaga Guimarães Pinheiro, grande incentivador cultural, que criou a primeira Semana Cassiano Ricardo em 1967, juntamente com o jornalista e literato Roberto Wagner de Almeida. Fundou após o Conselho Municipal de Cultura (CMC), onde passei a trabalhar desde outubro de 1968, mediante concurso público em que o hoje professor e sociólogo Murilo César Soares tirou o primeiro lugar, eu o segundo.

Passei a ter um contato mais aprofundado com a literatura em geral, viajando pelas obras de Machado a Drummond, de Graciliano Ramos e Manuel Bandeira. Como aluno participei em 1967, sob a figura de promotor de justiça, na acusação da suposta adúltera Capitu –não acreditava nisso– da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis. Era um júri literário: saí vencido e fui ser juiz anos depois.

Com o Conselho, no governo municipal do prefeito seresteiro Elmano Veloso, a atividade cultural em São José se tornou intensa, participávamos ativamente, ainda que apenas colando cartazes e distribuindo filipetas. Tive a felicidade de ter uma conversa com o grande poeta nacional Cassiano Ricardo, joseense um tanto incompreendido pelos conterrâneos. Ouvi dele que vinha sempre a São José, ao contrário do que diziam, visitando o túmulo da família.  Ressentia-se do murmúrio negativo na sua terra natal −de que a havia esquecido− atribuindo isso à política.

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O CMC promoveu várias atividades nos anos de 1968 a 1970, até ser extinto pelo prefeito Sobral.  Merecem lembrança o cinema nos bairros, com filmes de arte; o Coral Musicaviva do maestro Walter Lourenção; os festivais Sabiá de Ouro, com a participação dos amigos Luiz Paulo Costa, Edson e José Ernesto Mello, Vani Almeida, Fortunato Júnior, Roberto Wagner; a montagem de peças teatrais, como “Liberdade, Liberdade”, “Noites Brancas” e outras, sob a direção da premiada Bertha Zemel; a vinda de peças de teatro importantes, como “O Burguês Fidalgo”, de Molière, com o excelente Paulo Autran, “Morte e Vida Severina”, com o grupo da PUC e também com o mesmo Autran; o Atelier Livre, sob a orientação do pintor Fiaminghi; o Madrigal Musicaviva. Participei dessas atividades e muitas vezes fui a São Paulo convidar os artistas, eu ia ser o diretor do teatro a ser fundado, não deu tempo.

Tudo isso foi a semente do grande crescimento cultural da cidade, redundando na atual Fundação Cultural Cassiano Ricardo, de bons resultados.

Já em 1966, antes do CMC, eu, o Murilo Soares, o José Vitório de Faria e mais alguns havíamos criado o Movimento Cultural da Juventude, nos moldes da Juventude Musical de São Paulo, mas não foi longe, pela fragilidade e falta de recursos.

No ITA (do CTA, hoje DCTA), os alunos faziam boa movimentação cultural, ao que me lembro, o cinema de arte e shows de artistas como João do Vale e outros.

Merecem menção precursores como Mário Ottoboni −no teatro− e o professor Gutlich, da Escola de Belas Artes, além do Grupo Jogral, do mesmo Luiz Gonzaga, com João Vitor Strauss, Amin Assad Filho, Flávio Casper e Vitório Faria, tudo tendo como pano de fundo o regime militar, a bossa nova e o cinema novo.

Passo diariamente −porque próximo à minha casa− pela frente das oficinas da Etep e me lembro do momento crucial no curso de ajustador mecânico.  Mas admito que a vontade de bater com a ferramenta na cabeça do pobre professor passou. Até agradeço a ele pela eureca. Foi só um pensamento bobo naqueles anos ingênuos.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

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