Ilustração / Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Um dia desses alguém me pediu algumas fotos da época em que eu jogava vôlei. Algumas fotos. E eu tive que dizer para quem pediu que não tinha nenhuma foto minha como atleta, nadica de nada. Que vergonha…

Imagine que eu joguei voleibol, lá em São Bernardo do Campo, entre os 12 e quase os 16 anos, no início da década de 70 do século passado. Foi uma época, primeiro, de aprendizado dos fundamentos, e depois de disputa dos diversos campeonatos. Tinha treinamento físico às segundas, quartas e sextas, tático e com bola às terças e quintas, e jogo de campeonato ou amistoso aos sábados. Coisa de profissional, porém não remunerado.

Naqueles anos, se não me engano, fui campeão paulista três vezes, além de campeão da então famosa Olimpíada Colegial por quatro anos; em 1974, disputei o campeonato brasileiro infantojuvenil em Maceió, terminando em um lamentado quarto lugar por motivos que não é importante explicar aqui. Foram milhares de treinos, jogos, viagens e comemorações de títulos. E acredite: nenhuma foto.

Esta lembrança me fez refletir sobre as mudanças de comportamento que nos afetam e transformam, de geração em geração. O que era importante em uma determinada época, deixa de ser em outra; os sonhos que moviam as pessoas nas décadas de 60 ou 70, são muito diferentes dos sonhos de hoje.

A conclusão a que eu chego é que a minha satisfação pessoal naqueles anos de vida de atleta estava em treinar, jogar e, se possível, ganhar. Ou seja, não era movido pelo prazer de mostrar, de exibir, mas pela prática diária da paixão que eu tinha pelo esporte.

Agora vamos comparar aquele moleque que não conseguiu ter uma foto sequer para recordar o seu passado de atleta –um absurdo, concordo–, com o comportamento da sociedade 50 anos depois. Tenho certeza de que, antes de pegar na bola, um adolescente já terá feito dezenas ou centenas de fotos experimentais, em uma espécie de antevisão, profecia, do que ele quer ser. Parece que o prazer está em exibir, não propriamente em viver.

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É claro que, há meio século, produzir uma foto era uma operação complicada: ter uma câmera, comprar filme, tirar as fotos com todo o cuidado para não danificar o filme, levar para uma loja de fotografia, esperar dois ou três dias (no caso de preto e branco) ou cerca de 10 dias (fotos coloridas). E tudo correndo o risco de um acidente no decorrer do processo, ou, pior ainda, ir buscar as fotos e o sujeito do laboratório dizer que “o filme velou”, ou seja, perdeu-se tudo. Além do mais, tirar foto não era barato.

Nem é preciso dizer o quanto o telefone celular mudou as nossas vidas. Hoje, cada um pode ser o documentarista de si mesmo, registrando os mais ínfimos detalhes do dia a dia. Além disso, hoje as pessoas têm para quem mostrar essas imagens via redes sociais, o que antigamente ficava restrito a amigos e parentes próximos, antes de ocupar o fundo de uma gaveta.

Tudo bem, tempos diferentes, costumes diferentes. Mas mesmo assim não custa a gente refletir sobre o assunto para, quem sabe, chegar a um meio termo com os jovens de hoje. Porque as mudanças na sociedade brasileira no espaço de 50 anos não se resumem a esse aspecto narcisista moderno em detrimento do realismo meio conformado de antigamente. Há mudanças mais impactantes que estão afetando principalmente os jovens.

E aí chego onde queria chegar. Estava “viajando” um pouco no Facebook outro dia desses e chamou a minha atenção um videozinho de um programa que a TV Cultura exibia há alguns anos, o “Provocações”, com o ator, diretor e agitador cultural Antônio Abujamra, que já foi desta para melhor. O programa realmente provocava seus convidados a saírem do discurso comum e se aprofundarem na discussão de aspectos da sociedade brasileira.

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No vídeo, bem curtinho, estava resumida uma provocação do Abujamra para o convidado Paulo Ghiraldelli, filósofo, professor e escritor paulistano, hoje com 66 anos. O provocador cutucou falando sobre o papel do filósofo na educação e, por fim, sobre a educação atual no Brasil. Em sua resposta altamente “filosófica”, Ghiraldelli terminou mais ou menos assim:

“Na verdade, nossa sociedade não gosta de educação, pelo menos agora. Ela gostou e gostou muito. Nossa classe média, por exemplo, se lembra do tempo em que só havia uma saída para o jovem de classe média, ou mesmo de classes mais baixas: fazer algum curso, estudar alguma coisa. Mas o Brasil de hoje é um Brasil em que uma boa parte das pessoas descobriu que pode ser gente sem estudo. Hoje [a pessoa pensa]: “eu vou ganhar a vida com isso ou com aquilo”. Mas nos anos 50 e nos anos 60 não se podia ganhar a vida sem ter um curso. Hoje, é preciso um diploma, mas um curso que leve você efetivamente a melhorar as suas condições morais e cognitivas, isso não é verdade mais. O brasileiro está naquela fase onde todo mundo acredita que pode ser alguma coisa na vida sem estudo. Diploma sim, mas estudo duro, efetivamente não.”

Se quiser ver o vídeo com a resposta completa e as carinhas do filósofo e do provocador, clique [aqui], são só 2min28s.

Pronto. O recado foi dado. E o recado é também um convite para a gente olhar um pouco para trás ao mesmo tempo em que olha para a frente. Ou seja, mais importante que registrar milhares de fotos e vídeos sobre a sua vida, é você viver esta vida intensamente. E mais importante que ter um diploma, é estudar duro para ter a competência que a sociedade e o Brasil esperam de você.

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.

 

*Texto atualizado às 8h37 do dia 9/11/23 após revisão ortográfica e de estilo.

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