Fui surpreendido neste mês de setembro com duas agradáveis experiências. O empreendedor Edu Santos, criador do mix de comunicação Resgatando São José dos Campos, me convidou para falar dos meus quase 50 anos de carreira como jornalista em um programa de TV. Conversamos durante quase uma hora. Dias depois, o pessoal da TV Câmara, com o produtor Guilherme e a apresentadora Vanessa Nascimento à frente, me chamou para gravar uma edição do programa Entre Vistas.
Confesso que fiquei um pouco assustado pelo súbito interesse desses dois importantes veículos de comunicação de São José dos Campos. Será que eles ficaram sabendo de alguma coisa que eu não sei? Teriam conversado com o meu médico? Espero que esteja tudo bem comigo… rsrs. De qualquer forma, quem tiver algum tempo e um mínimo de curiosidade por este escriba –como dizia o meu colega jornalista Dailor Varela, que já está morando no andar de cima–, é só dar uma olhada [aqui] na entrevista do Edu. Quando for exibida a da Vanessa, dou um jeito de divulgar.
Mas o que eu queria dizer nesta crônica não tem –e ao mesmo tempo até tem– a ver com a minha antiguidade na carreira profissional. Em julho, completei 50 anos do primeiro registro em carteira e, em outubro de 2025, espero completar meio século de trabalho como jornalista. Nas conversas que tive com os dois entrevistadores, me chamou atenção a gigantesca transformação que o mundo sofreu nesses últimos 50 anos, atingindo em cheio a minha profissão.
Vieram à minha memória cenas daquele passado distante em que fazer uma notícia chegar até os leitores era quase uma operação de guerra. Me lembrei, por exemplo, de quando cobria jogos do Campeonato Paulista de futebol para os jornais “O Estado de S. Paulo” e seu belo filhote “Jornal da Tarde”.
Primeiro, você tinha que ir ao estádio, era o tipo da coisa presencial mesmo. Depois, assistia à partida inteira, fazia anotações, entrevistava os destaques, registrava público e renda, as escalações e aí tinha duas possibilidades. A primeira: se houvesse tempo para redigir o texto –em máquina de escrever, é claro–, aquilo era quase um luxo. A segunda: se o horário de fechamento dos jornais não permitisse isso, o jeito era ter as anotações bem à vista e se preparar para redigir “de cabeça”.
O passo seguinte era procurar um “orelhão” –nome dado aos telefones públicos que pareciam enormes orelhas onde se entrava embaixo para falar. Como você já percebeu, não existia ainda o telefone celular. Feita a ligação para o jornal, pedia-se para transferir a uma cabine, ou seja, para um atendente do outro lado que, equipado com fone de ouvido, recebia o texto ditado pelo repórter e o escrevia em máquina de datilografia.
Pegou o espírito da coisa? Ah, é bom dizer que as ligações telefônicas da época tinham qualidade muito abaixo das atuais. Por isso, não era raro um ficar gritando de um lado e o outro pedindo para repetir. Transmitido o texto e tiradas as dúvidas, repórter e cabineiro se despediam. Missão cumprida. O texto chegaria em minutos a um editor, que se encarregaria de adaptá-lo e publicá-lo. O repórter, zonzo de tanto estresse, ia procurar a primeira cerveja gelada que encontrasse. E aguardar até o dia seguinte para ver a cobertura do jogo estampada nas páginas dos jornais.
Outra coisa. Nós estamos falando de textos, letras formando palavras, números revelando quantidades, nada mais que isso. “Mas, e as fotos dos gols e dos melhores momentos?”, você irá perguntar. E eu vou responder: “Esquece isso”. Para começar, nem é preciso dizer que, se não existia celular, também não existia câmera de celular. E se fossem feitas fotos em câmeras fotográficas, elas usavam filmes, que teriam de ser revelados, as fotos escolhidas, copiadas em papel, fotolitadas e, finalmente, incluídas na página do jornal. Diante de tamanho desafio, as fotos que saíam nos jornais, ou eram produzidas por repórteres-fotográficos dos próprios jornais onde existiam laboratórios, ou eram enviadas por um sistema de telefotos, ou iam por malote de correio ou ônibus, ou eram de arquivo.
Como você está vendo, a tarefa de participar da produção de uma edição de jornal naqueles anos 70 e 80 era como “matar um leão por dia”, um trabalho cansativo tanto física quanto mentalmente. E o pior é que tudo iria se repetir de um modo mais ou menos igual no dia seguinte e nos demais que se seguiriam.
Fiquei tão chocado ao rememorar essas experiências que me peguei dizendo em uma dessas duas entrevistas algo mais ou menos assim: “Trabalhar como jornalista, hoje em dia, se for comparado com quase 50 anos atrás, é como descer do apartamento e ir até o playground para brincar um pouco”.
Exagero meu? Pode acreditar que não. É claro que, do passado para o presente, não mudaram exigências como exatidão na apuração das informações, cuidados com a língua portuguesa, rapidez na publicação e outras. Mas não dá para sentir saudade quando se trata de acesso à tecnologia.
Saudosismo tem limite.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.