Foto / Fotos Públicas

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

O bom jornalista editor me sugeriu uma crônica de despedida, pois eu havia lhe dito que iria para Ubatuba em janeiro e lá ficaria sem computador. E o faria para recuperar um sossego essencial perdido nos últimos tempos, a tornar viável a continuidade de meus escritos.

Confesso que isso de certa forma me assustou, pois por um lado não pretendo deixar de escrever, embora fraco de pena, apenas uma pausa. De outro, me fez vir à memória –sem nenhuma similitude ou comparação, ressalte-se– a despedida do grande poeta, contista e pai da crônica brasileira moderna Carlos Drummond de Andrade. Isso se deu em 1982, quando encerrou sua incrível produção de cronista quase diário em jornais (aproximadamente 2.300 textos), que vinha desde início da década de 1920, formatando essa espécie literária para as brilhantes gerações posteriores, como Rubem Braga e outros.

Dado o abismo entre mim e o magnífico literato, fico um tanto constrangido em revelar, neste exercício de metalinguagem, que fiquei um tanto confuso com a sugestão, mas já resolvi comigo mesmo o assunto, fruto exclusivo da minha perplexidade.

Contudo, deu ensejo a que me lembrasse, com especial prazer, dessa fundamental crônica de despedida de Drummond, intitulada “Ciao” (tchau), que o leitor de boa formação que não a conhece aconselho ler, bastando procurar no tio Google (coletada também no seu livro “Boca de Luar”).

Nessa crônica, que alguns consideram a melhor, hoje adotada por todo mestre da língua portuguesa, estão as características que deve ter uma crônica moderna. Não a crônica jornalística, informativa, precisa, mas esse gênero que flutua entre o jornalismo e a literatura, com uma visão leve do tema, bem-humorada e mesmo reflexiva, porém sem grande pretensão. Dos fatos corriqueiros, banais, ou até os mais pesados, procurava o mestre “extrair de cada coisa não uma lição, mas um traço que comovesse ou distraísse o leitor, fazendo-o sorrir, senão do acontecimento, pelo menos do próprio cronista, que às vezes se torna cronista do seu umbigo, ironizando-se a si mesmo antes que outros o façam”.

PUBLICIDADE

Para Drummond, a crônica seria para ser lida “no café da manhã ou à espera do coletivo”. O cronista não precisa ser especializado em futebol, jornalismo, política, filosofia, arte ou qualquer matéria, nem mesmo ter precisão. Segundo o poeta maior, o que se pede ao cronista é “uma espécie de loucura mansa, que desenvolva determinado ponto de vista não ortodoxo e não trivial e desperte em nós a inclinação para o jogo da fantasia, o absurdo e a vadiação de espírito. Claro que ele deve ser um cara confiável, ainda na divagação. Não se compreende, ou não compreendo, cronista faccioso, que sirva a interesse pessoal ou de grupo, porque a crônica é território livre da imaginação, empenhada em circular entre os acontecimentos do dia, sem procurar influir neles. Fazer mais do que isso seria pretensão descabida de sua parte.”

Trago essas preciosas lições de Carlos Drummond de Andrade mais para fixar a aprendizagem do que ensinar a quem quer que seja.

Como dizia minha tia Filoca, citando Santo Isidoro de Sevilha: “Zezinho, aprenda como se você fosse viver para sempre. Viva como se fosse morrer amanhã”.

Sim, é o que tento fazer diariamente, mas crônica de despedida é muito para mim, humilde escriba. Também porque continuo por aí. Prefiro dizer apenas: “ciao”.

 

> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.

 

Nota do editor

Como nos acostumamos a ver aqui no SuperBairro, José Roberto Fourniol Rebello nos brinda com mais uma bela crônica em seu “até breve” que, esperamos todos, seja uma ausência muito breve mesmo. Foram, com esta, 53 crônicas publicadas, nas quais ele comprova que aprendeu muito com o mestre Drummond.

As portas deste SuperBairro estão permanentemente abertas para o cronista Fourniol Rebello. A casa é sua, doutor!

Wagner Matheus | editor

PUBLICIDADE
PUBLICIDADE