Wisława Szymborska
Ficaram tão sozinhos,
tão sem nenhuma palavra
e em tal desamor, que um milagre terão merecido —
um raio das altas nuvens, uma petrificação.
Dois milhões de cópias de mitos gregos antigos,
mas para ele e para ela não há salvação.
Se alguém ao menos parasse na porta
se algo, ainda que por instantes, surgisse, sumisse,
divertido, triste, de algum lugar, de lugar algum,
despertando o riso ou o medo, não importa.
Mas nada vai acontecer. Nenhuma inesperada
inverossimilhança. Como num drama burguês a ação
vai seguir até o fim o roteiro da separação,
e no céu nenhuma fenda será avistada.
Com a parede imóvel atrás,
um do outro compadecido,
detêm-se diante do espelho que traz
somente os reflexos conhecidos.
O reflexo de duas pessoas, nada mais.
A matéria está alerta.
Em seus tamanhos variados
na terra e no céu e pelos lados
vigia os destinos naturais
— como se de uma corça repentina neste quarto
devesse ruir o Universo.
Maria Wisława Anna Szymborska foi uma escritora polonesa premiada com o Nobel de literatura. Poetisa, crítica literária e tradutora, viveu em Cracóvia, onde se formou em filologia polonesa e sociologia pela Universidade Jaguellonica. Nasceu em 2 de julho de 1923, em Kórnik, e morreu em 1º de fevereiro de 2012, em Cracóvia. Fonte: Wikipédia
> Júlio Ottoboni é jornalista (MTb nº 22.118) desde 1985. Tem pós-graduação em jornalismo científico e atuou nos principais jornais e revistas do eixo São Paulo, Rio e Paraná. Nascido em São José dos Campos, estuda a obra e vida do poeta Cassiano Ricardo. É autor do livro “A Flauta Que Me Roubaram” e tem seus textos publicados em mais de uma dezena de livros, inclusive coletâneas internacionais.