Depois de minha crônica de estreia, tenho vindo a este espaço com um conto em capítulos que me fez angariar meia dúzia de pacientes leitores de coração maior que o peito. Companhia sem a qual não traria mais aqui o meu verbo nem minha prosa.
Excepcionalmente nesta semana, peço licença aos meus “parças” e aos personagens imaginados por meus dois neurônios –especialmente o padre e o cowboy– para pitaquear sobre a formosura de um pé de melancia. Pode parecer sem importância, mas, você vai ver, não é.
A pergunta vale para os leitores fiéis e os eventuais: qual de vocês tem um pé de melancia no jardim de casa? Pois, eu tenho! Não é normal, eu sei! Num jardim cultivam-se flores, melancia não.
Ah! mas o pé de melancia também dá flores, disse alguém no fundo da classe. Dá, é verdade! pequenininha, de cor amarela. Mas, sua ramagem sufoca e mata outras plantas, a exemplo de um remanescente capãozinho de onze-horas, asfixiado até a morte.
Flor por flor da espécie frutífera, acho que teria no meu jardim a do morango. Não pela flor, mas pela fácil acomodação do pé em qualquer vaso e pelo fruto doce e saboroso, como a melancia –não obstante o cultivo mais difícil e enjoado.
Na verdade, o pé de melancia de que falo vicejou como enxerido onde antes existiu um autêntico jardim, com gramíneas, rosas, marias-sem-vergonha, onze-horas, arecas, um vistoso manacá da serra e um pergolado com cachos de ipomeia rubra.
Sob o caramanchão, um clássico banco de jardim, com ripas de puro cerne sobre uma estrutura de ferro fundido. Num elevado, o oratório com o Coração de Maria adornava o pedaço onde a santinha se adonava.
Era um conjunto harmonioso de objetos, flores e cores, que todos os dias de manhã e à tarde insistia em me apresentar aos seus visitantes: joaninhas, borboletas, besouros, arapuás, pardais, corruíras, beija-flores…
Até o momento em que escrevo estas linhas não fiz o que planejei para o lugar em que tive o jardim. Proximamente, quando fizer, o verdejante pé de melancia terá o mesmo destino de sua distante parentela de cores vivas e cheirosas. Mas, fazer o quê? a não ser me conformar. Sei, vai ficar a frustração de não saber se colheria uma única fruta desse pé.
Enquanto dele não precisar me desfazer, curto seu crescimento. Para fazer a foto que ilustra esta narrativa, plantei-me entre os seus ramos rastejantes e dei de perguntar como o danado foi se encher de vida sob os meus pés. E lembrei de um post em que alguém, que não sei quem, sugeria uma forcinha para a mãe natureza verdejar a terra dando-nos flores e frutos de lambuja.
Não perguntei como. Basta fazer como os passarinhos, imaginei. Espalhar sobre a terra sementes quaisquer, que normalmente jogamos no lixo, e deixar o milagre acontecer.
Foi como fiz, ainda que involuntariamente. Nos dias de calor, eu cortava do todo da melancia uma fatia, e ia chupá-la na frente da casa. Deliciava-me com a fruta geladinha e cuspia as sementes sobre a terra fértil. As mais espertinhas se enfiaram no calor fecundo e brotaram; as mais bobinhas, acho, foram carregadas no papo, pelas rolinhas.
Os pés dessa refrescante fruta tropical vão se esparramar no fronteiriço de casa até não sei quando, e atiçar a curiosidade dos vizinhos e passantes, que, quando descobrem o que é, se espantam.
Se os tivesse plantado teriam nascidos firmes e fortes? Como saber! Certeza mesmo só a de que, para devolver muito, a natureza pede pouco. No caso, algumas sementes cuspidas.
(Na próxima semana temos novo encontro. “Ruidosa pedição” será o quarto capitulo do conto que aqui conto sem acrescer ponto.)
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb 12.537/SP). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.