A eleição de 30.500 conselheiros tutelares para atuar em 6.100 conselhos em todo o país ocorreu normalmente, ao que parece, no último domingo. Desta vez, chamou atenção a maior divulgação, o uso pela primeira vez de urnas eletrônicas e uma cobertura mais generosa da imprensa. Fiquei me perguntando: por que esse súbito destaque?
A explicação mais provável tem a ver com os fatos recentes que tumultuaram a política brasileira. A rivalidade –ou já seria o ódio?– entre o que se convencionou chamar de esquerda e direita. Enquanto a “guerra” da campanha, eleição presidencial, episódios do 8 de janeiro e pós-eleição parece ter acalmado, ou sido temporariamente adiada, o embate passou a acontecer em cenários mais específicos.
No caso dos Conselhos Tutelares, as atribuições desses órgãos têm tudo a ver com a pauta de costumes que tem dividido a esquerda e a direita. E na eleição de domingo não foi diferente. Embora sem os exageros da política partidária, ficou evidente que cada lado trabalhou com afinco para eleger conselheiros que o representem ideologicamente nos próximos quatro anos.
Terminada a apuração dos votos, embora isto não tenha sido divulgado oficialmente, ficou a impressão de que os conservadores levaram vantagem. Até porque eles surgem de instituições bem organizadas, como as igrejas evangélicas, a Igreja Católica e os partidos políticos de direita.
Ficou parecendo que a esquerda, que está no poder –embora sem radicalismos, é preciso reconhecer–, foi mais tímida em mostrar a cara, uma vez que qualquer ação mais extravagante poderia ser vista como uso da máquina de governo em favor dos candidatos mais progressistas.
Os desdobramentos dessa eleição poderão ser vistos cada vez que uma pauta de costumes ganhar destaque nos Três Poderes ou na mídia, como aconteceu recentemente com a ministra Rosa Weber, que se despediu do STF com um voto pró-aborto e deixou a sociedade discutindo o tema.
Mas deixemos isso para os palanques, microfones, podcasts, discursos e outras formas de enfrentamento entre os dois extremos, sem esquecer que os menos radicais também contam nesses debates, muitas vezes definindo a discussão, a depender com quem eles somem forças. A questão que eu gostaria de levantar é outra, quero ressaltar a enorme e crescente importância que têm os Conselhos Tutelares e seus conselheiros.
Para quem não sabe, sempre que os direitos –ou a falta deles– de uma criança ou adolescente estejam sendo afetados, o caso acaba tendo a participação do Conselho Tutelar. É ele quem atua na defesa desses menores, principalmente na falta dos pais ou, na presença deles, quando são vítimas de maus tratos e abusos dos mesmos. Por ser um órgão autônomo, o Conselho também fiscaliza outros órgãos e instituições.
Por aí já é possível você ter uma ideia da complexidade da missão de um conselheiro tutelar, que é o ser humano eleito para atuar na linha de frente na defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em contato direto com os menores, seus pais e outros abusadores.
Não queira saber como é o dia a dia de um conselheiro tutelar. Imagine-se envolvido todos os dias, sem descanso, sem paradas, em dezenas de conflitos envolvendo esses seres inocentes –alguns já nem tanto– que precisam desesperadamente de apoio da sociedade para poderem sobreviver e crescer em paz.
Imagine como você é impactado com os problemas de um filho, neto, sobrinho, filho de um amigo, enfim, uma criança que você conhece. Agora pense que um conselheiro tutelar tem que defender as crianças que ele conhece e, além delas, uma multidão de crianças que ele nunca viu na frente.
Já acompanhei algumas situações da rotina de um conselheiro tutelar. Não tem hora, não pode escolher quem atende, tem que se envolver profundamente na rotina de famílias com os mais diversos desequilíbrios e, no final disso tudo, para ver o seu trabalho realizado, tem que colocar em segurança os menores envolvidos nesses dramas.
Gostaria de poder apertar a mão de cada um desses 30.500 novos conselheiros tutelares. Se encontrar alguns dos 15 eleitos aqui em São José dos Campos, prometo fazer isso. Vou olhar essas pessoas com muito respeito e procurar passar a elas todo o apoio que elas merecem pela missão que executam.
Não tenho dúvida nenhuma de que, diferentemente da maioria dos que disputam cargos no Executivo e Legislativo, esses candidatos são diferenciados, têm uma motivação maior do que apenas um mandato e um salário mensal. É gente vocacionada para a missão de salvar outras pessoas na camada mais necessitada de proteção, os menores de idade.
Que sejam muito felizes no cumprimento dessa missão.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.