De inglês ele entendia lhufas e patavinas, mas amava Beatles, Pearl Jam e Rolling Stones. Vibrava, sim, com Gil e Caetano, cantarolava Jorge Ben futuro Benjor e até achava graça de Tomzé.
Mas som de entrar pela cabeça era Pink Floyd, que sempre o levava para o lado escuro da lua. Ia e voltava movido a porções contadas de baseado comunitário, bem apertado para rodar até o fim, um tapinha a cada parceiro –que o dinheiro era curto e a vontade era louca de buscar inspiração nalgum lugar nalguma coisa. Imaginava poetar como Chico em “Operário em Construção”.
Andava meio desligado, meio mutante, quando passou no vestibular em quarto lugar geral e caiu no jornalismo como por um engano das estrelas, culpa daquele questionário tosco tomado como teste vocacional.
Lá pelo terceiro período virou foca num jornaleco semanal metido a Pasquim e empenhado em aporrinhar a vida dos políticos locais. Daí, o método de trabalho era frequentar a Casa do Café, bem no centro da cidade, ponto de encontro de vagabundos, mentirosos, políticos e alcaguetes da ditadura. Também tinha estudante, empresário, advogados diversos…
Ele acabara de chegar, naquele final de manhã sem pauta, muito movimento e pouca conversa de repercussão. Não deixou de notar, contudo, aqueles dois senhores metidos em seus ternos surrados, recostados à parede da grande entrada da lanchonete. O mais escuro avançou querendo saber se naquela casa só se servia café, como constava no letreiro, porque “a gente queria alguma coisa mais forte”.
Foi o repórter que os levou ao balcão. O mais escuro com uma mancha roxa na cara viu o atendente e foi logo pedindo um “Rabo de Galo” –uma dose de cachaça com uma de Cinzano, o mais conhecido vermute da época. E o mais baixinho, mais gordinho, falou com toda sua rouquidão que o rapaz lhe trouxesse um conhaque, “bem servido que é pra me esquentar a garganta”.
Falavam sobre a viagem chata que fizeram num ônibus de carreira que saiu do Rio às oito da manhã, perguntavam onde ficava o Cine Central… Foi quando o dono do pasquim chegou abraçado numa pasta preta. “Meu solerte repórter! Como vai essa força?” foi gritando e se achegando.
“Você sabe por acaso na companhia de quem você tomando esse café? Faz uma ideia?”
“Ora, Messias, nos encontramos por acaso, eles acabaram de chegar do Rio e só começamos a conversar…” O repórter nem terminou de se explicar.
“Pois eu vou lhe apresentar”, vangloriou-se o chefe, que também era poeta e cometia letras de samba enredo.
“Esse do seu lado é um gênio chamado Nelson, que é Cavaquinho mas toca violão, e o outro é simplesmente Angenor de Oliveira, o mestre Cartola”. E ameaçou cantarolar: “As rosas não falam…”
> Eustáquio de Freitas, mineiro de São Miguel, formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), curte um pouco a vida na Vista Verde, bairro onde mora, depois de 40 anos de atuação na imprensa, em jornais como “O Globo” e “ValeParaibano”, além de assessorias de comunicação municipal, estadual e federal.