Todo brasileiro sabe que nós tivemos dois imperadores, Pedro 1º e Pedro 2º. Aprendemos isso na escola, mas até quem faltou nessa aula pode ter tomado conhecimento por meio de algum samba-enredo de escola de samba. A novidade é que tem gente querendo fazer parte deste seletíssimo grupo. Pega a visão…
Em plena República, em pleno presidencialismo, há uma espécie de casta intocável que se julga no direito de decidir sozinha sobre todo e qualquer assunto, bastando encaixá-lo em algum processo que esteja sobre a sua mesa. São alguns ministros do nosso STF, a sigla para Supremo Tribunal Federal, que a cada dia ganha mais espaço no país.
Nesse ritmo, logo, logo, vão fazer companhia aos dois Pedrões do século 19 os novos imperadores Toffoli 1º, Gilmar 1º, Moraes 1º e por aí afora. É a impressão que fica, tal o volume de poder que esses ministros do STF concentram em suas mãos.
De algumas décadas para cá, principalmente após a redemocratização do país, que teve o seu ápice com a Constituição de 1988, o Poder Judiciário passou a ser mais exigido –e até por isso, mais questionado. Afinal, nos anos de regime militar as decisões eram tomadas dentro do “sistema” e quem tinha juízo tratava de obedecê-las.
A volta da democracia colocou na pauta do Judiciário vários anseios da sociedade. De um modo geral, evoluímos. Temos hoje leis modernas para cuidar de demandas novas e velhas, como o meio ambiente, o racismo, a responsabilidade fiscal dos governantes, os crimes financeiros etc. Com altos e baixos –algumas decisões chegam a ser grotescas– a primeira e a segunda instâncias fazem a sua parte.
Mas aí chegamos à última instância, à nossa Corte Suprema, ou seja, ao STF. E aí começam os problemas que são o motivo desta crônica/artigo/opinião. Primeiro: temos um STF com mania de gigantismo, quase tudo o que afeta a política e a economia do país vai para lá. Segundo: temos um sistema de escolha para novos ministros do STF que está se tornando motivo de piada –ou de revolta–, porque cada ministro novo é quase uma extensão do presidente da República do momento. Terceiro: some-se gigantismo, processo de escolha ultrapassado, decisões inapeláveis e está feita a encrenca: um STF que precisa mudar.
O leitor que chegou até aqui pode querer me dizer: “Quem é você, um leigo que sabe escrever ‘malemá’, para querer se meter em um assunto tão importante e distante do cidadão comum?”. Vou responder: “Como cidadãos, em pleno gozo dos nossos direitos constitucionais, qualquer um de nós pode –e deve– ter opinião sobre quem nos governa e tem influência direta sobre as nossas vidas”. E em matéria de poder decidir sobre as nossas vidas, para o bem ou para o mal, o poder está com o STF mesmo.
Vamos esquecer a carga pesada que o STF e alguns de seus ministros, como Alexandre de Moraes, sofreram durante o Governo Bolsonaro. Aí não vale criticar demais porque o que se viu foi uma agressão orquestrada ao Estado democrático de Direito. Embora algumas críticas pudessem ser feitas sobre questões pontuais, a verdade é que o STF fez o que se esperava dele e salvou a democracia. Apesar do estrelismo e pirotecnia de alguns ministros que, em plena época de shows midiáticos, quiseram aparecer mais do que deveriam.
O problema é que, vira e mexe, o Supremo é chacoalhado por decisões no mínimo questionáveis, quando não visivelmente absurdas. Essas pisadas na bola ocorrem muito mais quando ministros resolvem adotar o que é conhecido como “decisão monocrática”. Em bom português, é quando o ministro decide sozinho e isso vale como se fosse um ato imperial, sem muito direito a contestação.
Quando alguém toma esta tal decisão monocrática, na base do “eu sozinho”, cabe a nós, simples mortais, questionar: “Mas o STF não é a nossa Suprema Corte? Uma corte não pressupõe um órgão colegiado? Um órgão colegiado não pressupõe decisões com base no voto da maioria?”. Mas não. De vez em quando um ministro resolve pegar a bola, driblar todos os adversários e entrar no gol com bola e tudo…
Exemplos graves desse STF que precisa mudar foram duas decisões recentes do ministro Dias Toffoli, que é useiro e vezeiro em polêmicas desse tipo.
Desta vez ele simplesmente livrou do pagamento da multa de R$ 10,3 bilhões a empresa J&F, do grupo dos irmãos Wesley e Joesley Batista, que era o maior acordo de leniência realizado do país. Em seguida, dias depois, fez o mesmo com a empreiteira Odebrecht em relação a multas que a empresa recebeu depois de confessar atos de corrupção no governo federal e também assinar um acordo de leniência no valor de R$ 3,8 bilhões. O perdão às duas empresas chega a inacreditáveis R$ 14,1 bilhões.
Esta e outras decisões estranhas estão sendo tomadas com base na extinção de processos da Operação Lava Jato depois que o então juiz Sergio Moro cometeu bobagens em conluio com procuradores da chamada República de Curitiba, entre eles o então coordenador Deltan Dallagnol. Querem dizer que, se os processos foram extintos, tudo virou pó, inclusive confissões das empresas e pessoas físicas participantes.
Aí volta a opinião do jornalista leigo. Se a condução do processo foi viciada, que as sentenças sejam anuladas, mas que os processos sejam reapresentados. E que, principalmente, as provas e confissões sejam consideradas como válidas, desde que obtidas de forma legal.
É por essas e outras que vemos o seu Cabral desfilando pelas ruas do seu Rio de Janeiro como se nada tivesse acontecido. E até, é preciso dizer, o presidente Lula e seu PT posando de inocentes depois de protagonizarem escândalos de corrupção. Depois disso, veio uma eleição legítima e temos um governo legítimo, mas a extinção dos processos é um absurdo.
Em tempo: ontem (5 de fevereiro), o recém-nomeado procurador-geral da República, Paulo Gonet, recorreu da decisão do ministro Dias Toffoli em relação aos R$ 10,3 bilhões do J&F. Luz no fim do túnel? Não acredito, mas vamos acompanhar o andamento do jogo.
Dito isto, fica a certeza de que esta não foi a primeira decisão equivocada do nosso Supremo e de seus “imperadores”, e não será a última. Pelo menos dentro da sua configuração atual, daquele balaio de gatos pode sair de tudo. Que tal uma nova Assembleia Nacional Constituinte que redefina os poderes e procure corrigir o que está errado? Está aí um bom assunto para você pensar.
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 23 anos.