Foto / SuperBairro

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Já percebeu que as mudanças no nosso mundo acontecem a uma velocidade a cada dia maior? Invenções que antes duravam 50, 60 anos sem nenhuma mudança e continuavam sendo úteis, hoje podem surgir e, em menos de dez anos, saírem de cena, substituídas por outras mais avançadas.

É o caso da maneira como nós vemos filmes em casa. Primeiro, era só na velha TV aberta mesmo, depois veio o aparelho de videocassete, aí foi surgindo a TV por assinatura, em seguida o aparelho de DVD, até os dias atuais, quando a Netflix é o sucesso do momento. Tudo isso em cerca de 30 anos.

Quer outro exemplo? A telefonia. Tente entregar um aparelho de telefone daqueles de disco para um jovem de uns 15 anos de idade. Ele vai precisar de um tutorial para entender o que é aquilo e como “operar” aquilo. Isto sem falar nos primeiros celulares, aqueles tijolos enormes que não faziam quase nada, comparados aos finíssimos –e poderosíssimos– smartphones de hoje.

Conclusão. Palmas e mais palmas para a tecnologia. Os avanços tecnológicos nos tornam a cada dia mais produtivos, saudáveis, rápidos e potencialmente felizes. Quem é contra a tecnologia, como diz o samba antigo, “bom sujeito não é / é ruim da cabeça / ou doente do pé”.

Mas –e sempre tem um “mas” nas minhas crônicas– nem tanto ao mar, nem tanto à terra. É preciso ter cuidado para que a rapidez do desenvolvimento de novas tecnologias não transforme pessoas vivas e produtivas em verdadeiras múmias ambulantes. E isso tem acontecido com cada vez maior frequência.

Muitos idosos que levavam vida normal em seus mundos analógicos e materiais, hoje se desesperam no mundo digital e virtual imposto a eles. Tudo é “acesse”, “tecle”, “adicione” “digite sua senha de seis dígitos”, “leia e concorde”, “passe o cartão”, “retire o resultado do seu exame pelo site” etc. etc. É tudo tão rápido, os termos são tão técnicos ou modernos, que os pobres idosos –não todos– só conseguem sobreviver com a ajuda de filhos, netos, vizinhos. E quem não tem essa ajuda por perto? Não vive, vegeta. Ou sofre com os golpistas que estão à espreita de quem não se dá bem com as novas tecnologias.

A conclusão é que essa tecnologia só é boa se for amiga do usuário.

Até surgiu uma nova qualidade que os profissionais de marketing dão a alguns produtos: “tal aparelho é totalmente amigável”. Eles estão querendo dizer que, com algum esforço, você vai conseguir se entender com o tal aparelho.

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Simplifica mesmo?

Não me considero nenhum Einstein, não tenho um Q.I. do qual possa me orgulhar, penso que sou medianamente “antenado” com as tecnologias mais básicas do mundo atual. Mas olha eu aqui entrando no grupo dessas múmias à procura do primeiro sarcófago.

Há cerca de três meses, comprando a ideia de amigos de que a gente tem que ser moderno, usar todos os novos recursos disponíveis, resolvi abrir uma conta de pessoa jurídica no banco Inter. É um desses novos bancos totalmente digitais que você não vai encontrar nas ruas, não vai conhecer o gerente, nada disso. E ele veio com um slogan convidativo: “Inter. Simplifica a vida.”

Pois é. Dei os dados da nova conta nesse banco para vários clientes fazerem seus pagamentos por meio de transferência bancária. E isso –presumo– veio acontecendo nesses três meses. O fato é que deixei o saldo acumulando e só há três dias fui acessar a conta para movimentar o dinheiro. Acredita que estou tentando entrar na conta até hoje?

A tal “simplicidade” está me deixando maluco. Atendentes por telefone –pelo menos isso, acho que são pessoas vivas– já me mandaram mudar a senha pelo menos seis vezes; o aplicativo já me fez tirar foto do meu rosto de frente olhando pra cima, de frente olhando pra baixo, girando o pescoço à esquerda até tocar o ombro, fazendo o mesmo à direita e, finalmente, como um idiota, olhando bem de frente para a câmera do celular e sorrindo. Juro, ainda pedem que eu sorria.

No fim de tudo isso, sempre vem um aviso: “Não foi possível conectar. Verifique se o app está atualizado ou tente novamente em alguns minutos”. E quando eu tentar de novo vou repetir todo o processo e chegar à mesma resposta.

Percebeu onde eu fui me meter? O banco Inter guardou meu dinheiro em uma conta corrente digital/virtual, mas a tecnologia dele não está me deixando entrar na conta e sacar ou transferir o meu dinheirinho. É mole? Não dá uma saudade louca do velho colchão onde as pessoas simples e felizes guardavam suas economias?

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Cidade tecnológica

Não poderia deixar de abordar nesta crônica, já que estamos falando de tecnologia, a nossa cidade de São José dos Campos. É elogiável essa diretriz, essa espécie de obsessão do prefeito Felicio Ramuth (PSD) em busca da união das conquistas tecnológicas com as necessidades de uma administração pública moderna.

Quem foi outro dia ao Cefe, lá no ainda um pouco conservador bairro de Santana, para assistir ao evento em que São José recebeu a certificação de Cidade Inteligente –  além de Resiliente e Sustentável, obtida por outros meios de avaliação– entrou em uma espécie de corredor do tempo, quase na cidade do antigo desenho animado dos Jetsons.

Veículos elétricos, carro que analisa a qualidade do asfalto enquanto percorre as ruas da cidade, câmeras inteligentes ligadas a uma central onde quase tudo o que acontece na cidade é monitorado, uso de satélite para fiscalizar queimadas, desmatamentos e outras irregularidades nas zonas urbana e rural, placas com QR Code contendo informações sobre as árvores na área urbana, informatização do sistema de saúde, central de atendimento à população para solicitação de serviços… a lista é longa.

Além disso, o Parque Tecnológico de São José dos Campos, um dos mais importantes do país, a cada dia ganha mais musculatura para estimular empresas com perfil tecnológico, chamadas de startups, ao mesmo tempo em que concentra, na mesma área, espaços para a implantação de institutos de pesquisa, faculdades e indústrias já estruturadas. O parque, pode-se dizer, tomou o lugar que o antigo CTA (Centro Técnico Aeroespacial) ocupou vigorosamente durante cerca de três décadas, mas perdeu o folego devido à falta de uma política de apoio à ciência e à tecnologia por parte dos últimos governos.

Sei que pode parecer uma provocação, mas garanto que não é. Imagine uma comparação entre todas essas ferramentas tecnológicas de que São José dispõe hoje e as ferramentas que vizinhas como Jambeiro, Caçapava, Monteiro Lobato, ou até mesmo Jacareí, possuem. Sem dúvida, a distância entre elas não se soma em anos, mas em décadas ou séculos.

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Câmera com astigmatismo

Mesmo assim, vou encerrar com mais uma historinha pessoal. Por volta de maio ou junho de 2019, eu estava há cerca de dois meses trabalhando na assessoria de imprensa da Prefeitura, ali no Paço Municipal. E ia ao trabalho todos os dias com um Golzinho ano 1996 que, por falta de vaga no grande estacionamento existente, deixava ali na marginal à avenida Teotônio Vilela (a do anel viário), perto de uma creche municipal.

Um belo dia, no final da tarde, fui até o meu Golzinho e não encontrei nada. Havia sido roubado. Pensei bastante no que fazer e logo me lembrei da câmera instalada na laje acima do sétimo andar do prédio. Fiz contato com a Secretaria de Proteção ao Cidadão, expliquei o caso e, algumas horas depois, recebi a resposta: a câmera não viu nada. Jura? Que pena…

Alguns meses depois, estou na antiga central de monitoramento das câmeras da cidade, na praça Afonso Pena, acompanhando uma jornalista visitante, enquanto um dos competentes profissionais de lá mostram como tudo funciona. Em um determinado momento, esse colega capta uma imagem obtida pela câmera do alto do Paço e propagandeia, cheio de orgulho: “com esta câmera nós conseguimos visualizar até o Luso”, referindo-se ao antigo Clube Luso-Brasileiro, lá na distante região norte.

Naquele momento, a minha ficha caiu e deu uma bruta vontade de interromper a explanação e perguntar: “Fulano, já que ela enxerga tão longe, será que não dava pra ela ter enxergado o meu Golzinho que estava a menos de 200 metros do Paço?!?”

Pois é, amigos e amigas. Que a tecnologia seja sempre bem-vinda, mas que venha para ser nossa amiga…

 

> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 46 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

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