Grande parte do país está sofrendo com a tal “onda de calor” dos últimos dias. Um bafo de beira de vulcão tem afetado principalmente estados das regiões Centro-Oeste e Sudeste. São Paulo está dividido, uma parte dentro da área infernal e outra fora, mas nem tanto.
Nós, aqui em São José dos Campos, estamos fora, mas nem tanto. Temperaturas em torno de 36°C a 38°C, com sensação de calor acima disso, têm sido comuns nos últimos dias e devem continuar até o fim de semana.
Tem gente que sofre, como eu, e tem gente que bate palmas, como a minha sogra, que mora com a gente aqui em Sanja. Vinda da Baixada Santista, ela se sente no seu habitat natural. Dá uma raiva… rsrs.
O fato é que, a julgar pelas avaliações da maioria dos especialistas em clima, minha sogra vai continuar pulando carnaval debaixo desse sol maluco, enquanto eu vou ter que procurar esconderijos cada vez mais absurdos para me livrar desse calor. Tenho medo de acabar em uma gruta que me leve para muitos metros abaixo da superfície.
Mas o que me assusta mesmo é que ainda tem gente que acha que as tais mudanças climáticas são uma bobagem, que não está acontecendo nada demais. “Sempre foi assim, anos mais quentes e anos mais frescos”, dizem, com ar de sabedoria. Ou, pior, argumentam que isso é “coisa dos americanos”, seja lá o que isso signifique.
Para ajudar os descrentes, sempre existem uns gatos pingados de uma pseudocomunidade científica para defender as mesmas ideias dos leigos, porém com ares acadêmicos. Falam em períodos glaciais, outros de derretimento, outros ainda de aquecimento, todos divididos por fases de 12 mil, 20 mil, 50 mil anos. Ou seja, para você conseguir provar que o sujeito está errado vai ter que esperar mais de 10 mil anos.
É mais ou menos o mesmo que acontece na medicina. Tem um tal de Lair Ribeiro que tenta nos fazer acreditar que todos os médicos do planeta são idiotas e ele é o único que está certo. Esperto ele. E polêmico. Para comprovar que eu não estou de implicância com o homem, quando escrevia esta crônica, esqueci o nome dele e digitei no Google: “médico polêmico”. Não deu outra: Lair Ribeiro é um dos principais citados.
Quanto às alterações climáticas, temos os nossos Lair Ribeiros também. Apesar de a esmagadora maioria da comunidade científica estar alertando há décadas sobre os gases tóxicos lançados na atmosfera, o efeito-estufa que eles provocam, o derretimento das geleiras polares, o volume dos mares, secas e chuvas descontroladas, desertos se formando onde antes havia vegetação, tudo isso é rapidamente esquecido quando um desses charlatões fala o que os comodistas –ou revoltados– querem ouvir.
A verdade é que não é preciso ser um cientista especialista em meteorologia e outras ciências para ver –e sentir– que o planeta vive uma crise climática. Se já houve outras, milhares de anos atrás, e a Humanidade sobreviveu, aí é outra história. Estou falando dos nossos antepassados não muito distantes, de nós mesmos e das próximas gerações, nossos filhos, netos, bisnetos etc.
Nunca imaginei que um dia veria fotos de gigantescos rios da Amazônia, como o Negro, com “praias” de areia comendo-os pelas beiradas. É cena de filme de ficção combinado com terror. Uma outra foto que me assustou foi a da cidade de Manaus, capital do Amazonas, engolida por uma fumaça densa provocada por queimadas que as alterações climáticas não dissiparam.
Mais “bucha” para o Brasil. Em 2021, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sustentou que a mudança climática, aliada ao avanço do desmatamento na região, está agravando a desertificação no semiárido brasileiro. Definido como a área seca mais densamente povoada no mundo, o semiárido ocupa quase todos os estados do Nordeste e mais o norte de Minas Gerais, uma área equivalente à da Inglaterra.
Tem “bucha” lá de longe também, e agora para calar o mais cético dos céticos. A catástrofe anunciada vem lá do oceano Pacífico, onde está –por enquanto– Tuvalu, um país formado por 11 pequenas ilhas que vêm sendo gradualmente engolidas pelas marés crescentes dos oceanos aquecidos do mundo. Hoje, restam apenas nove ilhas e, ao que tudo indica, em algum momento Tuvalu vai desaparecer. Fala-se em coisa de mais 40 anos.
Menos mal que são apenas 11.200 tuvaluenses que, graças a um tratado assinado com a vizinha Austrália, poderão se transferir gradualmente para o novo país. Mas Tuvalu, como território, vai desaparecer.
Enquanto isso, eu fico aqui pensando, ao mesmo tempo em que estou suando em bicas durante as 24 horas do dia:
– Como pode ainda ter gente que não acredita nas mudanças climáticas e na urgência de a Humanidade trabalhar para combatê-las, ou pelo menos suavizá-las?
> Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 48 anos. É editor do SuperBairro. Mora na Vila Guaianazes há 22 anos.