Ilustração / Gerd Altmann/Pixabay

Wagner Matheus é jornalista (MTb nº 18.878) há 45 anos. Mora na Vila Guaianazes há 20 anos.

Mais uma vez uso o bordão futebolístico como uma forma de suavizar o assunto aqui tratado. Esta semana falaríamos sobre racismo e injúria racial, mas devido aos vários fatos envolvendo o TSE nesta reta final de campanhas políticas, sinto-me obrigado a trazer esclarecimentos técnicos sobre o que está acontecendo, auxiliando a todos a entender o Direito, sem paixões.

Tribunal Superior Eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem suas atribuições previstas na Constituição Federal e na legislação eleitoral (a começar pelo Código Eleitoral – Lei nº 4.737/65). É órgão da Justiça Eleitoral (CF art. 118 I), composto por três juízes dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal; dois juízes dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça; por dois juízes nomeados pelo presidente da República, dentre seis advogados de notável saber jurídico e idoneidade moral, indicados pelo Supremo Tribunal Federal.

O TSE elege seu presidente e vice-presidente dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e o corregedor eleitoral dentre os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). É um colegiado com boa representatividade da sociedade e deve zelar pela construção e manutenção da democracia brasileira, dentro de vários princípios, como proporcionalidade e razoabilidade; Estado Democrático de Direito; soberania popular; legitimidade; moralidade; probidade; igualdade ou isonomia; anualidade da lei eleitoral; e liberdade.

Como órgão do Poder Judiciário, é da mesma forma fundamental dentro da Teoria dos Freios e Contrapesos (Checks and Balances System), impedindo o crescimento de governos absolutistas. Deve zelar, juntamente com os demais órgãos da Justiça Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os juízes eleitorais e as juntas eleitorais, pelas eleições gerais, pelo livre exercício do voto.

Na prática, a Justiça Eleitoral, segundo o próprio TSE, é a instituição brasileira viabilizadora, mediante eleições, do exercício, pelo povo, de seu poder de escolher seus representantes. Cuida, portanto, do processo eleitoral. Isso significa que se ocupa do conjunto das ações humanas necessárias para a concretização do exercício do poder político. Cuida dos eleitores, dos candidatos, dos partidos políticos e da logística das eleições.

Por fim, a Justiça Eleitoral responde pelos processos eleitorais. Aqui, processo está no sentido mais conhecido por todos: conjunto de documentos formados durante a resolução dos conflitos, objetivando uma decisão pelo juiz. Como exemplos, citamos: apuração de crimes eleitorais (como compra de votos); fiscalização de propaganda eleitoral; impugnação de registro de candidatura etc., sempre contando com o auxílio de fiscalização pelo Ministério Público Eleitoral.

PUBLICIDADE

Internet e fake news: o sistema judiciário está pronto para esse desafio?

Com o advento da rede mundial de computadores, a noção de tempo e espaço foi alterada. Atualmente a informação propaga-se com muita velocidade, para muitos lugares, de forma instantânea. Todos têm acesso à informação, de todas as espécies e todos são potenciais criadores e/ou propagadores de conteúdo.

Já o sistema judiciário (legislador e julgador) ainda é lento, formal e reativo. A grande questão atual para os juristas –e para a própria sociedade– é: como zelar pelo correto sistema eleitoral de maneira efetiva em época de notícias falsas diárias, levando-se em conta a morosidade formal processual? Como responder rapidamente, já que a mensagem na internet se instala imediatamente, alcançando muitos eleitores? Esse desafio vale para todos os ramos do Direito. Voltaremos a ele ao final deste artigo.

O caso Jovem Pan e a Resolução 23.714/2022 do TSE

A pergunta que divide eleitores e juristas é: o TSE fez censura ou combate a fake news? O que me interessa aqui é a questão técnico-jurídica. Não vamos entrar nem no mérito do perfil político da emissora, que tem concessão de uso e verbas públicas.

Em programas de 29 a 31 de agosto, os jornalistas da Jovem Pan afirmaram que o candidato petista não foi inocentado, e sim “descondenado” pelo STF nos processos aos quais respondia, o que originou pedido de resposta petista.

Qual a situação jurídica do ex-presidente?

De início vamos esclarecer definitivamente a situação do ex-presidente. Ele não foi “descondenado” nem inocentado, pois o mérito não foi julgado neste caso. Os processos foram anulados por questões técnicas (o foro de Curitiba era incompetente, juridicamente falando, pois os casos imputados não possuíam relação comprovada com a operação Lava-Jato), remetidos ao foro de Brasília (DF).

Nesse novo processo, o Ministério Público pediu a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva estatal. Explico: a condenação final foi de três anos e quatro meses de reclusão (lavagem de dinheiro) e de cinco anos, seis meses e vinte dias (corrupção passiva). Segundo a juíza, que acolheu o pedido, “incide o prazo prescricional previsto no artigo 109, incisos II e III, do Código Penal, reduzidos pela metade em observância ao disposto no artigo 115 do Código Penal (réu com mais de 70 anos), restando prescrita a pretensão punitiva estatal”.

Segundo o artigo 109 do Código Penal, a prescrição punitiva, que é a perda do direito do Estado em punir, pelo decurso de prazo, ocorreria em 16 anos, reduzidos pela metade, a oito anos, em função da idade do ex-presidente à época, acima de 70 anos (CP art. 115), prazo este contado a partir do dia em que o crime se consumou, entre 2005 e 2009 (compra e atuação da construtora OAS).

Em resumo, o ex-presidente não foi julgado inocente, como diz, mas também não foi “descondenado”. Entretanto, seu status jurídico é de inocente, pois não condenado, com trânsito em julgado da sentença penal condenatória (artigo 5º da Constituição –aquele que trata dos direitos e garantias fundamentais–, como dispõe o inciso LVII; Pacto de San Jose da Costa Rica, que prevê em seu artigo 8º, 2; Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dispõe em seu artigo 11, I), já que os processos foram anulados.

E isto deve ser observado pelas campanhas políticas e pelos veículos de comunicação. Novamente, não estamos emitindo juízo de valor em relação ao mérito, apenas explicando tecnicamente o que houve.

Pessoalmente, apenas vou manifestar minha concordância com o que disse o ex-juiz Sergio Moro (mas de quem divirjo em questões técnicas do processo): “Crimes de corrupção deveriam ser imprescritíveis, pois o dano causado à sociedade, que morre por falta de saúde adequada, que não avança na educação, jamais poderá ser reparado”. E isto deveria ser aplicado à prescrição punitiva.

PUBLICIDADE

A Resolução 23.714/2022 do TSE

A partir das conclusões acima, voltamos à Resolução 23.714/2022 do TSE. Antes de sua edição, o TSE, por 4 votos a 3, concedeu o direito de resposta ao candidato petista e determinou que a emissora Jovem Pan e seus comentaristas “se abstenham de promover novas inserções e manifestações sobre os fatos tratados nas representações”, ou seja, a situação dos processos do candidato.

Houve censura prévia em relação à parte final da decisão? As decisões do TSE nesse sentido são importantes pois evitam a propagação de notícias falsas e outros danos irreversíveis na internet?

Para que não falem que estamos defendendo um lado ou outro, relembramos que a discussão é técnico-jurídica. Aliás, o STF proibiu o jornal “Folha de S.Paulo” de entrevistar o ex-presidente, então preso, dias antes do primeiro turno das eleições de 2018. Foi censura prévia?

A Resolução 23.714/2022 do TSE estabelece que, após decisão colegiada que determine a retirada de conteúdo de desinformação, a Presidência do TSE poderá determinar a extensão dessa decisão a conteúdos idênticos republicados. Também passa a ser proibido o pagamento de qualquer tipo de publicidade nas 48 horas anteriores e nas 24 horas posteriores às eleições. A regra proíbe a divulgação ou o compartilhamento de fatos inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, incluindo os processos de votação, apuração e totalização de votos.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, protocolou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7261 contra a Resolução, argumentando que as regras questionadas estabelecem vedação e sanções não previstas em lei, amplia o poder de polícia do presidente do TSE, em prejuízo da colegialidade, e afasta do Ministério Público a iniciativa de ações ou de medidas voltadas a proteger a normalidade e a legitimidade das eleições, e que, apesar do relevante propósito de coibir a desinformação e resguardar a integridade do processo eleitoral, dispositivos da resolução violam diversas regras constitucionais, como a competência legislativa sobre direito eleitoral, e a liberdade de expressão, independentemente de censura prévia.

O STF negou o pedido, rejeitou a alegação de que poderia haver censura por parte do TSE e argumentou que o “controle judicial” previsto na decisão da Corte Eleitoral “é exercido a posteriori e a sua aplicação é restrita ao período eleitoral”, segundo o relator ministro Edson Fachin, acompanhado pela maioria dos ministros, como Alexandre de Moraes, para quem “liberdade de expressão não é liberdade de agressão a pessoas ou a instituições democráticas (…) não se pode pretender que a liberdade de expressão legitime a disseminação de informações falsas que correm o processo democrático e retiram do eleitor o livre poder de autodeterminação no processo eleitoral”.

A discussão jurídica apoia-se em dois pontos principais: se há liberdade de expressão e liberdade de imprensa de forma absoluta e se o TSE pode atuar “de ofício”, sem provocação das partes ou ofendidos.

Sobre os limites da liberdade de expressão, já abordamos em outro artigo, encontra obstáculo quando colide com direitos de outros. Quanto a liberdade de imprensa, ela, da mesma forma, não é absoluta, principalmente para os especialistas em Direito Eleitoral. As notícias falsas podem contaminar o processo eleitoral, afetando sua isonomia, a compreensão dos fatos por parte dos eleitores e a lisura do pleito.

Sobre atuar “de ofício”, sem provocação das partes, a Resolução permite ao TSE determinar a remoção de publicações falsas, enganosas ou descontextualizadas que já foram alvo de decisões da Corte para a retirada desses conteúdos, e que foram publicadas novamente nas plataformas. Ou seja, não se aplica a casos novos, mas dá agilidade para outros, reiterados, de publicações no sentido apontado.

É um sistema ideal? Não, não é. Entretanto, devolvo a pergunta ao leitor: como zelar de forma célere e eficaz pelo Direito, pela verdade, em um mundo digital, instantâneo e com grande abrangência? Como dar agilidade em uma estrutura judiciária lenta, formal e reativa? Ou devemos esquecer os freios e contrapesos, permitindo que todos façam o que bem entendem, deixando eventuais disputas sob o retorno do Código de Hamurabi, o primeiro código de leis da história, que vigorou na Mesopotâmia, no primeiro império babilônico, entre 1792 e 1750 a.C., código que se baseava na Lei do Talião, punindo um criminoso de forma semelhante ao crime cometido, ou seja, “olho por olho, dente por dente”.

PUBLICIDADE

Roberto Jefferson e rádios

Os acontecimentos envolvendo o ex-deputado Roberto Jefferson, seu inadmissível ataque à ministra Carmem Lúcia e o episódio de sua prisão, assim como o caso das rádios que supostamente estariam prejudicando um candidato, até merecem uma análise técnico-jurídica, mas por falta de espaço e tempo hábil antes da eleição, deixarei aos comentaristas políticos, pois me parece muito mais uma questão de estratégia de marketing político, questionável, com objetivos claros, do que pretensões juridicamente resistidas.

Tecnicamente, sobre as rádios, o TSE agiu corretamente, através de seu presidente relator, ao extinguir o processo sem julgamento do mérito, por inépcia da petição inicial, feita pela assessoria jurídica do candidato, por insuficiência de provas, por desqualificação da empresa responsável pelo relatório apresentado, entre outros pontos técnicos, como amostragem apresentada e diferenciação entre veiculação nas ondas do rádio (obrigatória) e streaming (não obrigatório).

Soma-se a isso o fato da dona da rádio que assumiu ter deixado de repassar 100 inserções ser apoiadora declarada do candidato supostamente prejudicado; do servidor do TSE que fez a acusação de fraude ser declaradamente defensor do candidato supostamente prejudicado; de rádio mineira ter dito que o próprio partido do candidato supostamente prejudicado deixou de mandar os mapas de mídia e materiais de divulgação do candidato supostamente prejudicado.

Já a análise técnico-processual é importante, para o leigo, pois a petição inicial é a peça mais relevante da formação do convencimento do magistrado e deve obedecer aos requisitos objetivos do art. 319 do CPC, Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento, por inépcia, por parte ilegítima, por carência de interesse processual, falta de pedido ou causa de pedir, entre outros.

Por fim, deixo aqui apenas um descontentamento pela situação atual, através dos versos de Fernando Pessoa (“Livro do Desassossego”, por Bernardo Soares – Tenho a náusea física da humanidade vulgar): “Tenho a náusea física da humanidade vulgar, que é, aliás, a única que há. E capricho, às vezes, em aprofundar essa náusea, como se pode provocar um vômito para aliviar a vontade de vomitar.”

E, mesmo sem manifestações pessoais sobre os fatos, deixo um pouco de esperança, citando Manuel Bandeira, em seus “Versos Escritos N’Água”:

Os poucos versos que aí vão,

Em lugar de outros é que os ponho.

Tu que me lês, deixo ao teu sonho;

Imaginar como serão.

Neles porás tua tristeza

Ou bem teu júbilo, e, talvez,

Lhes acharás, tu que me lês,

Alguma sombra de beleza…

Quem os ouviu não os amou.

Meus pobres versos comovidos!

Por isso fiquem esquecidos

Onde o mau vento os atirou.

 

> Eduardo Weiss é jurista, advogado, professor, palestrante e autor. É Doutor em Direito Internacional e Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC-SP.

PUBLICIDADE