Pulei o último Carnaval em São José dos Campos, um pouco na Associação da Rua Humaitá, muito no Tênis Clube da rua de terra Euclides Miragaia, onde figurava graciosa e bela uma paquerinha. Num salão pequeno, algo tosco, todo mundo se divertia, individualmente ou em blocos, usando lança-perfume, serpentinas, confetes e piscadelas. Brigas, sim, do lado de fora, os da cidade contra os iteanos. Presidente do clube, o conhecido advogado Luizinho de Almeida, época do Biriba Boys, do saudoso Sérgio Weiss e do Cid César, dentre outros.
Tinha poucos dias morando em São José, naquele fevereiro de 1964, oriundo de São Paulo, fascinado pela cidade acolhedora do interior, onde se conhecia todo mundo. Logo arrumei um amor platônico, não mais a bela ficante do Tênis, mas, um tempinho depois, em sessão de cinema de domingo no Cine Palácio da Praça Afonso Pena, uma linda menina de quinze anos, olhos azuis profundos, estudante do João Cursino.
Por conta de timidez, essa historieta de paixão se resumiu a olhares, flertes e suspiros, como aqueles do footing, ainda em pleno vigor na cidade. Esse anticlímax durou uns três anos. Chegou a se transformar num iniciante namoro, porém não frutificou, o destino não quis, incrível. Tenho um casamento feliz com a amada definitiva, acredito que a anterior também o tenha. Restou desse inocente romance apenas uma doce lembrança, fantasia agradável, patrimônio da alma.
O Carnaval antigo –você já ouviu isso− é sempre melhor, pelo menos para as pessoas saudosistas. Lembro-me do que era bom para mim: as paqueras, o lança-perfume, as músicas. Entretanto, o mais marcante: a fantasia, com o acompanhamento da paixão.
Isto pode ser para os outros também, mas destaco algo que havia na época −agora não tanto ou nada−, o clima de fantasia, de encanto, quase música no ar. Essencial desde sempre para as artes, assim como para a vida, como diria o poetinha. Nesse passo, o velho Vinícius: põe um pouco de amor na sua vida assim como no seu samba. Ouso apontar esse outro aspecto, ainda que menor, fugaz ou não, porém maravilhoso e necessário: a fantasia, alguns chamam de encanto. É preciso passar de quando em quando da realidade ao encanto da arte para uma vida mais feliz.
Estando a falar de fantasia, vejam, gente, não ressalto apenas o aspecto material, das roupas, cuja importância é inegável. Fantasia no sentido psíquico, a faculdade de criar usando a imaginação, saindo da realidade. Eu diria também a capacidade que todos temos de embarcar nessa deliciosa excursão pela arte, pela literatura, em busca do belo, enfim. Como dizem, viajar na mente do autor.
Lamentavelmente, nos dias que correm, as coisas do Carnaval, como na arte contemporânea, têm pouco ou quase nenhum encanto. São belos cenários, desfiles grandiosos, com famosos vestidos de luxo, danças perfeitas, belas mulheres, sambas e ritmos precisos. No todo um bonito espetáculo, no entanto quase nenhuma participação popular, atração para turistas. O povo ainda tem alegria para extravasar, em blocos de rua mal organizados, dando-se preferência para o deboche e a correr riscos com a criminalidade.
Tia Filoca desanca de vez o Carnaval nos dias atuais:
− É melhor você ficar em casa, Zezinho. Não se faz mais Carnaval como antes. Eu saía de colombina, dançava nos blocos, pulava até as quatro nos salões, os moços espirravam lança-perfume nas minhas costas, dava aquele calafrio gostoso, ninguém passava a mão. Hoje é um esbórnia, uma gritaria, cheiro de suor, abuso, mataram o romantismo, meu filho. Só querem fazer sexo. Comigo não, bastião, eu sentaria o meu Rodo Metálico na cabeça do abusadinho e fim de papo!
Lança-perfume está proibido, tia. E violência não resolve! Mas vai explicar isso para ela…
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.