− O senhor tem uma barra de chocolate ao leite?
A turma de rapazes não aguentou a risada. Pudera, cada um pediu, naquela noitada, uma bebida alcoólica, eu inclusive, e aquele cara pálida –paulistano branco-sulfite– pedia um chocolate!
Era um querido primo-irmão, tinha vindo passar uns dias na nossa casa e saía comigo à noite, para se ambientar. Namorou paca, ficou com a namoradinha de um amigo meu, um reboliço. Mas permaneceu na memória dos meus amigos como o carinha do chocolate. Não gostei muito, mas nunca passei recibo, como não passo. O primo tinha lá suas razões para não beber, não interessa a ninguém o motivo. Mas era um namorador furioso!
Pois bem, em outra ocasião −eu já casado−, meu pai ainda morava em São José dos Campos. Era um momento um tanto conturbado, de mudanças, de trabalho e de vida. Papai parecia tenso naqueles dias, tendo sofrido infarto anos antes, já aos quarenta e sete anos.
Segundo dizia minha saudosa tia Filoca, a vida é curiosa. Como nós deixamos passar oportunidades de manifestar nossos sentimentos de amor, de gratidão, de reconhecimento. Sonegamos isso às pessoas a quem amamos, a nossos benfeitores e amigos! Não falamos um “obrigado”, um “eu te amo”, “agradeço a valiosa ajuda”, nada! Seria tão fácil e representaria tanto para o outro…
Aqui entra novamente o primo, mais moço que eu uns anos, rapazinho ainda, a pensar e falar somente em mulheres. Nada que indicasse interesses elevados ou sentimentos profundos. Acabou nos dando uma lição de vida…
Era o dia dos pais, a noite corria morna e eu e meus irmãos nada dissemos ao papai além de parabéns e beijos. De repente o bendito primo pede a palavra e faz um discurso surpreendente. Entoou loas de amor e gratidão, provocando intensa emoção no homenageado e em todos. Principalmente em papai, que chegou a chorar.
Não falo pelos manos, mas a minha cara caiu. Que vergonha deixarmos aquele parente fedelho fazer o que seria nossa obrigação! Nunca me esqueci e me serviu de lição. Não deixe para depois para mostrar seus bons sentimentos.
A partir de então, momento crucial na minha vida, prometi a mim mesmo que seria outro o meu relacionamento com papai. Borracha no passado e a firme resolução de lhe dar alegria sempre, o que acredito que fiz por mais quatros anos até a sua morte, gerando mesmo ciúmes.
Hoje, quando alguém pede a palavra em comemorações em casa, já me vem um sobressalto, falso é claro. Contudo, não me esqueço nem do chocolate nem do atropelo do querido primo.
> José Roberto Fourniol Rebello é formado em direito. Atuou como juiz em comarcas cíveis e criminais em várias comarcas do estado de São Paulo. Nascido em São Paulo, vive em São José dos Campos desde 1964, atualmente no Jardim Esplanada. Participou do movimento cultural nascido no município na década de 60.