São 9h30 de terça-feira e Amâncio Faria, sob um tímido sol de inverno, rega um canteiro de flores no final da rua ministro José Geraldo Rodrigues Alckmin, onde mora, no Bosque dos Eucaliptos.
Começou por volta de 8h, depois de tomar o café. Com destreza, atou a mangueira na torneira e serpenteou-a sobre o asfalto frio até a calçada oposta para molhar as rosas, marias-sem-vergonha, margaridas, cristas-de-galo e outras espécies que o ano inteiro dão vida e colorem a parte alta da rua. Um esguicho moderado acariciava as plantas.
Três dias antes eu tinha passado por lá mais ou menos no mesmo horário e ele estava na lida, de cócoras, eliminando as daninhas. Identifiquei-me como jornalista interessado em mostrar no SuperBairro o seu trabalho como criador e cuidador de um jardim em plena rua. Monossilábico, a princípio relutou para, depois, assentir.
– Posso passar segunda?, perguntei.
– Tenho médico. Venha na terça, anuiu.
No dia e horário combinados entrei bem devagar na rua. Estava de carro e tive o cuidado de zerar o odômetro. Percorri 150 metros até o balão, saí do carro e olhei. Nunca tinha estado lá. Árvores? Apenas três, de pequeno porte, que não identifiquei. Tentei contar as floreiras de ambos os lados, mas me perdi ante tanta graça e encanto. Em algum lugar, com seu canto, um sabiá quebrava o silêncio e a monotonia da rua.
Motorista profissional, há tempos o sr. Faria matutava sobre uma faina depois da aposentadoria, então próxima. Não queria ficar à toa. Tinha que se deter numa arrumação. Mas qual? E pensou em plantar e cuidar de flores, em cujo quadro deu as últimas pinceladas depois de reformar a casa e ver, com desalento, que não sobrara um pedaço de chão para o sonhado jardim.
Foi quando, da janela envidraçada do sobrepiso, olhando o asfalto escuro e o cimento cinza em frente, decidiu fazer o seu jardim na rua. Começou abrindo um canteiro na própria calçada, migrou para o passeio do outro lado da rua, nos fundos do Centro de Convivência Infantil (Cecoi) Meimei, e não parou mais, disponibilizando-se para ajardinar também a calçada dos vizinhos.
Para satisfazer minha curiosidade, do banco tosco onde estava sentado, no passeio público, Faria esticou o braço esquerdo e com o dedo indicador deu de apontar e contar as floreiras sob seus cuidados em frente das casas vizinhas. Uma, duas, três, quatro… parou em 25. “Acho que contei todas”, constatou.
Os canteiros são disformes quanto ao tamanho e espécies que, aliás, ele não sabe dizer quantas –calcula umas 30. Já quanto ao acabamento, padronizou com uma cerca baixa, de madeira, pintada na cor branca, com função apenas estética.
Para inibir a ação de vândalos, em todas as floreiras colocou uma placa onde se lê uma frase qualquer de sua autoria. Nela ele realça a beleza das flores e faz um apelo para que sejam apreciadas, nunca apanhadas.
O sr. Faria dedica até três horas por dia, todos os dias, a cuidar do jardim que mantém na rua, alternando ações como rega, podas, replantio, desbaste, revolvimento da terra, combate a pragas e outras. O resto do dia fica atento para que ninguém apanhe as flores ou deprede os canteiros.
– A flor é bonita no pé, onde tem vida. Arrancada, logo é descartada e vai para o lixo. Não gosto que apanhem, mas sempre tem um desavisado. Aí chamo atenção. Ainda bem que não acontece sempre, porque é desagradável, reconhece.
Muitas espécies plantadas e cuidadas pelo sr. Faria florescem o ano inteiro, mas na Primavera, prestes a começar, parecem vicejar mais alegres e sadias, tornando aquele pedaço de rua um pequeno e bonito mundo de flores e cores.
> Carlos José Bueno é jornalista profissional (MTb nº 12.537). Aposentado e no ócio, brinca. Com os netos e as palavras.